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Análise linguística (Lc 10,25-37)

20 de abril de 2015

25. E eis um mestre da Lei se levantou, pondo-o à prova a ele dizendo: Mestre, fazendo o que herdarei a vida eterna? 26. E Ele (Mestre) o disse a ele: Na Lei o que está escrito? Como lês? 27. E ele respondendo disse: Amarás ao Senhor o teu Deus desde todo o teu coração e com toda tua alma e com toda a tua força e com toda a tua mente e ao teu próximo como a ti mesmo. 28. Disse-lhe: corretamente respondeste, faze (tu) isto e viverás (Lc 10,25-28).
Jesus dialoga com um jurista sobre o mandamento principal da Lei; observa-se aqui um verdadeiro debate teológico e prático inscrito na linha da disputa rabínica (BOVON, 2002, p.110).
Para Lucas, não basta saber o que está escrito na Lei – “o que está escrito?”. É preciso saber interpretá-la a partir do coração – “como lês?”. Se a leitura é feita a partir do princípio da misericórdia, o resultado será uma práxis misericordiosa. “29. Mas ele, querendo justificar a si mesmo, disse a Jesus: E quem é meu próximo?”.
A pergunta do mestre da Lei “Quem é meu próximo?” dá espaço para a narrativa da parábola (FITZMYER, 1987, p. 277-283). A pergunta pode ser ambígua, dependendo de como se traduz πλησίον, como substantivo ou como advérbio, podendo significar “quem é meu próximo?” ou “quem está perto de mim?”. Ora, quando o advérbio πλησίον é acompanhado de um artigo, automaticamente se substantiva: o próximo. O movimento do diálogo leva-nos a pensar que a primeira forma é a melhor solução. “30. Respondendo Jesus, disse: Certo homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu em mãos de salteadores, os quais despojando-o e causando ferimentos, foram embora, deixando-o semimorto”.
Um homem que é assaltado, despojado, espancado e abandonado, no caminho de Jerusalém a Jericó. O homem não é nomeado, é apenas um homem qualquer. A única certeza a seu respeito é que está passando por necessidade extrema, dado suficiente para o propósito da narrativa. Com a expressão “caiu em” e com esta palavra “ἡμιθανῆ” a realidade descrita acentua mais o dramático. O homem fica impossibilitado e depende totalmente da ajuda do outro. Ora, quem se dispor ajudá-lo, também coloca sua vida em perigo, incluindo que qualquer auxílio implica mudança de planos no roteiro da viagem (BOVON, 2002, p. 118).
“31. Por coincidência, um sacerdote descia naquele caminho e, vendo-o, foi pelo lado oposto. 32. Igualmente também um levita, chegando junto ao lugar, vindo e vendo-lhe, foi pelo lado oposto”.
Dois personagens aparecem seguidamente: um sacerdote e um levita. O relato faz referência, provavelmente, a um sacerdote que tivera no serviço do Templo de Jerusalém e que, ao terminar os dias de turno, voltava tranquilamente para casa. Do mesmo modo o levita, descia de Jerusalém, provavelmente após seu trabalho no templo. Os dois personagens pertenciam ao mundo do culto, e a atitude deles é a mesma, a mesma indiferença; não foram capazes de conjugar o serviço a Deus com o amor ao próximo, esquecendo-se da misericórdia (FITZMYER, 1987, p. 284-285).
Os dois – sacerdote e levita – fecharam os olhos perante o homem assaltado. Eles se ausentam, ignoram o sofrimento do homem necessitado; estão mortos para o momento presente, presos ao ofício exercido no seu passado, amarrados por regras rituais. Passaram sem se deter diante do homem que sofre (BOVON, 2002, p. 119).
33. Um Samaritano indo pelo caminho, veio até ele e vendo-o, foi movido por compaixão.
Em contraste aos dois personagens, aparece agora um samaritano anônimo, sem profissão descrita, sem eira nem beira. Ele não passa de largo; para e faz o que pode. Surpreendentemente, o auxilio vem de um samaritano de quem não se podia esperar nada, pois os samaritanos são inimigos dos judeus. O samaritano sofre com o homem ferido; sente-se comovido desde as entranhas, o que o leva rapidamente a atender o homem ferido. A urgência de estender a mão para quem precisa interrompe até o seu itinerário. Lucas coloca o samaritano para constatar com a categoria ministerial do sacerdote e do levita. O samaritano não é movido por obrigação legal, por prescrições da Lei, mas pela compaixão. A compaixão indica uma atitude básica e decisiva de toda ação que, além de ser fundamentalmente humana, é essencialmente cristã (FITZMYER, 1987, p. 286).
A reação do samaritano é o amor; a compaixão leva-o a recuperar a identidade do ferido. Enquanto os dois funcionários da religião agem com indiferença, o samaritano se deixa tocar pelo homem que sofre. Estabelece-se uma relação entre o ferido e o samaritano. O corpo vulnerável de um, desperta o coração do outro. (BOVON, 2002, p. 120). “34. E, aproximando-se, atou as feridas dele, derramando em cima óleo e vinho, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele”.
O samaritano levava dois suprimentos para a viagem: óleo e vinho. E com eles vai dar os primeiros socorros ao homem ferido. Os primeiros cuidados dos samaritanos são: curar, transportar e hospedar. “35. E, no dia seguinte, tirando deu dois denários ao hospedeiro e disse: Cuida dele, e todo o que gastares a mais, eu, quando voltar, reembolsarei a ti”.
A missão de auxilio se interrompe, e o samaritano prossegue viagem no dia seguinte, mas não sem antes providenciar cuidados para o homem ferido. Ora, o sacerdote e levita nem se preocuparam de deter-se pelo menos um instante; o samaritano anuncia que voltaria a passar na hospedaria para rever o homem necessitado (BOVON, 2002, p. 121). A descrição do samaritano é admirável; todos os pertences materiais – azeite, vinho, cavalgadura, dinheiro – ele coloca à disposição para ajudar o homem ferido que se encontra caído no caminho (FITZMYER, 1987, p. 287). “36. Quem desses três te parece ter sido o próximo do que caiu entre os salteadores? 37. E ele disse: O que praticou a misericórdia com ele. Então, disse a ele Jesus: Vai e tu faze (o mesmo) igualmente.”
Para Lucas, o próximo não é o outro; o próximo sou eu quando estou agindo em favor de quem precisa, quando consigo ser próximo. Observemos que o homem anônimo do começo, sem identidade definida, sem condição clara, já ganha uma caracterização que o identifica: aquele que caiu em mãos dos salteadores, ressaltando sua condição de vítima. Esse homem é um caído e como tal deve receber socorro. A desgraça lhe dá identidade. Jesus inverteu a pergunta do mestre da Lei; não se trata de saber quem é meu próximo, senão de quem devo me fazer próximo. Tal atitude direciona o comportamento compassivo do viajante samaritano, que não se perguntou se o ferido era seu próximo ou não; simplesmente se fez próximo do desgraçado, e pior ainda, que era seu inimigo natural (BOVON, 2002, p. 122).
Por:






Referências Bibliográficas:
- BÍBLIA JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2004.
- BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB. São Paulo: Editora Canção Nova, 2012.
- BIBLE WORKS.79 Bíblias em 20 idiomas. Westford:Lotus DevelopmentCorp., 1998.CD (versão 4.0).
- BOVON, François. El Evangelio según Lucas II (Lc 9,51—14,35). Salamanca: Sigueme, 2002.
- FITZMYER, Joseph A. El evangelio según Lucas: traducción y comentario - cap. 8, 22 –8,14.Madrid: Cristiandad, 1987. v.3.
- FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 5.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
- RUSCONI, Carlo. Dicionário do grego do novo testamento. São Paulo: Paulus, 2003.

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