O Evangelho de Lucas, mais do que qualquer
outro evangelho, mostra o rosto misericordioso de Deus, nas ações de Jesus.
Revela o carinho e a acolhida para com os mais fracos como ponto forte durante
sua missão. Misericórdia é a recomendação expressa de Jesus (cf. Lc 6,38), que
se comove com a dor da viúva de Naim (cf. Lc 7,11-17), perdoa a pecadora que
lhe unge os pés (cf. Lc 7,36-50) e entra na casa do publicano Zaqueu (Lc
19,1-10).
A
viúva de Naim (Lc 7,11-17). Este perícope é narrada
somente por Lucas. Jesus consola e ajuda uma viúva estrangeira (de Naim) que
perde seu filho único. Provavelmente Lucas tem como referência dois episódios
parecidos do Antigo Testamento; o primeiro é o caso de Elias que ressuscita o
filho da viúva de Sarepta (cf. 1Rs 17,17-24); o segundo é o caso de Eliseu que
ressuscita o filho da sumita (cf. 2Rs 4,17-37). Esses relatos eram bem
conhecidos nas comunidades, mesmo das diásporas. Relatos de ressurreição não
passavam em branco; chamavam a atenção. Tomando como base o Antigo Testamento,
Lucas mostra a superioridade de Jesus ante a ação de Elias e Eliseu. Jesus age
movido pela misericórdia; ele tem autoridade em nome de Deus para agir e nem
precisa pedir a Deus para ressuscitar a alguém, ou seja, vai logo agindo.
O relato mostra magistralmente dois cortejos
no mesmo espaço, na porta da cidade de Naim. Por um lado, Jesus chegando com os
discípulos e todos que o acompanhavam em festa. Por outro, uma mãe que segue o
féretro do filho, acompanhada de uma multidão sofrida e triste. Jesus, logo que
viu a mulher viúva chorando, dá-lhe atenção e vai ao seu encontro, mostrando
para seus seguidores (discípulos) a imediata participação na dor da mulher.
Ao final do encontro entre Jesus e a mãe
viúva que chorava seu filho morto, uma reação marcante da multidão acontece:
todos reconheceram a ação salvífica de Deus e, por isso, glorificavam ao Deus
misericordioso por sua ação. E, no final, exclamaram todos: “um grande profeta
surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16b). Em outras palavras: Deus
salva em Cristo; ele cumpre sua promessa em Jesus (cf. o segundo artigo) Por
meio de Jesus, Deus intervém para salvar o seu povo. “Esta é a visita
definitiva e excepcional de Deus; a ressurreição dos mortos é sinal decisivo
para quem o sabe acolher” (FABRIS; MAGGIONI, 1992, p.84, v. 2).
A
pecadora que unge Jesus (Lc 7,36-50). Este texto aparece nos
quatro Evangelhos, mas somente Lucas diz que essa mulher é uma pecadora,
exatamente para realçar a misericórdia divina, tema integrante e chave de sua
teologia.
Nesta narrativa se vê a fineza do evangelista
que introduz um tema difícil para seus interlocutores: a acolhida dos gentios
na comunidade, representados pela pecadora, Lucas coloca uma mulher como
protagonista da cena e, através dela, apresenta o processo de conversão,
necessário para a adesão à comunidade cristã.
A mulher chama a atenção de todos os
convidados com seus gestos inusitados. Age de forma escandalosa ao dirigir-se a
um hóspede, derramando perfume e chorando feito uma tresloucada. Para os fariseus,
conhecedores da Lei, a mulher conhecidamente impura por sua vida de pecado não
poderia se aproximar de alguém. Escandaliza ainda mais que o gesto da mulher a
atitude de Jesus que aceita aquela homenagem inesperada e fica calado,
comprometendo assim “a sua reputação de homem de Deus, de profeta reconhecido
pelo povo” (FABRIS; MAGGIONI, 1992, p.88, v. 2).
A maneira de agir da mulher leva a um diálogo
entre Jesus e Simão. Jesus apresenta um caso e logo interroga sobre o amor.
Simão, como fariseu, responde muito bem. Nesta conversa, Lucas quer mostrar o
gesto de acolhimento da mulher e o tamanho amor que ela demonstra por Jesus.
Perante a acolhida que a pecadora anônima oferece ao convidado de honra, fica
revelada a falta de acolhida do fariseu “justo”, assim como fica explicitada a
misericórdia de Jesus.
Através deste relato, Lucas instruiu
explicitamente sua comunidade sobre a acolhida aos pagãos que deve ser feita na
maior misericórdia. É claro para Lucas como para os demais evangelistas que
Jesus não veio para condenar (cf. Mt 18,11; Jo 3,17; 8,15-6; 12,47-48) como
faziam os fariseus, mas para salvar e devolver a dignidade à pessoa.
Zaqueu
(Lc 19,1-10). Este episódio é exclusivo de Lucas. A
conversão de Zaqueu revela a ação misericordiosa de Deus, sempre pronto a
perdoar e a acolher. Lucas descreve com certo humor esse encontro entre Zaqueu
e Jesus. O homem pequeno tem pressa e corre na frente da multidão no intuito de
achar lugar favorável para ver Jesus. Mesmo aparentemente a atitude inicial
parecendo sua, Lucas insiste que quem toma a iniciativa é Jesus. É ele quem vê
Zaqueu na árvore, chama-o e se autoconvida para ir à casa dele. Em seguida, o
Terceiro Evangelista mostra a rápida resposta de Zaqueu que recebeu Jesus com
alegria em sua casa.
Perante Jesus, Zaqueu resolve mudar
radicalmente. O fruto do encontro é a conversão, que significa para um rico uma
nova forma de usar seus bens e uma nova maneira de agir, dentro da sociedade,
buscando a justiça. Depois da experiência do encontro com Jesus, Zaqueu se
compromete a restituir quatro vezes mais. É o sinal de conversão para o qual
Jesus responde que entrou a salvação na casa daquele publicano (cf. 19,9). “A
justiça de Deus tomou os traços do rosto humano de Jesus tornou-se busca
salvífica daquilo que estava perdido” (FABRIS; MAGGIONI, 1992, p.183, v. 2).
Mais uma vez a multidão se surpreende com a forma de agir de Jesus e tal
encontro entre Jesus e um publicano provoca murmurações.
Por:
Leia também os quatro primeiros artigos da série “O Jesus misericordioso em Lucas”: