Tal artigo é fruto de uma reflexão que surgiu
durante a semana teológica que ocorreu durante os dias 22 a 26 de setembro/2014
promovido pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), com o tema:
Teologia um desafio contemporâneo.
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Pecado
e santidade são conceitos tradicionais da fé cristã, que formam uma relação
dialética entre si e que ainda nos dias de hoje continuam a desenvolver
discussões sobre ambos os conceitos. Pensando
na condição humana é preciso ter em mente que todos nós experimentamos o pecado
e a santidade no nosso cotidiano. Experimentamos fortemente em nossa vida a
condição de pecado e de santidade, diante dessa dualidade é necessário indicar
um caminho que aponte um sentindo que seja claro para nos situarmos no mundo,
dando respostas para a difícil compreensão que ainda nos dias atuais, emergem
acerca da resposta que homens e mulheres esperam da teologia e da antropologia
perante as noções de pecado e santidade.
Todos
nós procuramos um sentindo pleno para nossa vida, estamos à procura de uma
grande razão para nossa própria existência no mundo. A história da salvação nos
demostra que o ser humano só se realiza por meio da relação com Deus, com o
outro e com o mundo. Essa realização do ser humano com o transcendente, com o
outro e com o mundo se concretiza no âmbito da liberdade.
A liberdade deve ser construída e é
construída na relação com o outro. Aqui, deve-se levar em conta o conceito de evasão muito usado pelo filósofo
Emmanuel Levinas, que entende que é preciso enxergar o outro como possibilidade
de alteridade. Há uma interação entre liberdade e alteridade, nossa liberdade
tornou-se doentia, é necessário refundar a nossa liberdade, pois “a liberdade
não tem fundamento senão na responsabilidade. Mas esse fundamento é sem
fundamento, é relação ética, é sacralidade, é religião” [1].
A teologia é desafiada hoje a responder ao
homem sobre a natureza do pecado e da santidade. Segundo Adolphe Gesche, falar
de pecado e santidade é falar em duas sínteses entre liberdade e alteridade.
Segundo o Vaticano II, santidade refere-se à união perfeita com Cristo, já o
Catecismo da Igreja Católica no número 1739 diz acerca da liberdade e do
pecado: “a liberdade do homem é finita e falível” e continua no número 1742
citando Gálatas 5,1 “é para liberdade que Cristo nos libertou”.
A
condição de liberdade do homem está intimamente ligada à sua dignidade concedida
por Deus no ato da criação e por isso, tanto o homem como a sua liberdade é
finita e por sua condição de ser transcendente o homem está aberto para
relacionar-se com Deus.
Pecado
é a possível relação entre o exercício da liberdade em contraponto ao exercício
da alteridade, o pecado leva muitas vezes ao exercício de um anti-humanismo que
gera uma rejeição de Deus, do outro, e do mundo. O pecado é a negação da
santidade, quando o homem não aceita Deus, o outro, e o mundo, enfim, é a total
rejeição do exercício da alteridade.
A
rejeição da alteridade leva a criar um falso senhorio do próprio homem no
aspecto macro e microcosmo que o induz à morte, que se caracteriza pela troca
de lugares, o homem que deseja estar no lugar de Deus[2].
O
pecado em si produz no homem e na sociedade marcas profundas, fazendo com que o
homem crie uma sociedade, principalmente, nos dias de hoje fundada na cultura
do descartável, onde muitos são considerados resíduos, sobras, ou seja, o
próprio homem que rejeita a si mesmo e o outro como seu semelhante.
O ser
humano oscila entre uma aproximação a Deus e a tentação de tornar-se autônomo
desde o inicio da história da própria humanidade, nunca estando satisfeito e
por sentir-se insatisfeito afasta-se de Deus, caindo no pecado.
O
pecado é uma questão de Deus, ou seja, Deus não está indiferente ao mal e ao
pecado e se preocupa com a condição humana, por isso, envia seu filho[3]. Mesmo
diante do pecado o ser humano tende à recuperação de seus atos. A dualidade
humana pecado e santidade podem ser compreendidas pela resposta que Deus
concede ao homem, pois o próprio Deus vem em socorro do homem com sua graça (Cf.
2Cor 5,17-18).
Tanto o
pecado como a santidade exigem do homem uma demanda grande de energia. Para
pecar e ser santo é necessário gastar bastante energia, pois o ser humano como
ser de liberdade é fundamental que ele pratique a resiliência. Visto que o ser
humano como ser de pecado, pela graça de Deus pode se recuperar da ação das
práticas de pecado, a realidade de pecado nunca deve levar o homem ao
desespero, pois é preciso encarar tal realidade com novas possibilidades de
reerguimento.
Todos
os homens sejam eles crentes ou não experimentam o pecado e o desejo de vida em
plenitude; a diferença está na visão de pecado e de santidade que os crentes
possuem que se difere da dos não crentes, os crentes têm consciência da
realidade de pecado, porém, sabem que não estão sós, pois Deus concede seu
perdão e seu amor àqueles que o amam.
Sem a
graça divina o homem não possui a capacidade de evitar o pecado, pois é um ser
fragilizado, mas pela graça de Deus em Jesus Cristo o homem é libertado. Já
dizia Bento XVI ao citar Tomás de Aquino: “Todas as faculdades do ser humano
são purificadas, transformadas e elevadas pela Graça divina”[4].
O
mundo do mal, do pecado aparentemente demostra ser superior nos dias atuais ou
até mesmo ao longo da história da humanidade, porém a graça de Deus ligada e
dialogando com a liberdade humana é capaz de fazer com que o homem crie uma
relação qualitativamente nova, portanto, o nosso mundo apesar de ser marcado
pelo pecado convive com o bem, com a alegria, com a santidade.
Trigo e joio estão na mesma plantação já
dizia o próprio Cristo[5],
mas tudo fica integrado, pois Deus se preocupa com o homem e o ajuda a extirpar
o joio do meio do trigo. A graça que Deus concede ao homem tem por objetivo
criar qualitativamente neste mundo o seu reino. A realidade de pecado não deve
deixar o homem pessimista. Diante do pecado o homem não deve se desesperar, ao
contrário, deve aprender com suas falhas, pois elas também podem ser meios de
libertação e deve enfrenta-las como possibilidades de libertação. Já dizia
Paulo: “Pois, quando sou fraco, então é que sou forte”[6].
Uma reflexão teológica sobre o pecado só terá
efeito se a reflexão tratar daquilo de que fomos libertados pela graça de Deus.
Portanto, o pecado é uma realidade dura e crua, e o cristão sabe que foi
libertado do pecado e essa libertação se concretiza na medida em que o próprio
cristão adere a se identificar com o Cristo.
O cristão só percebe que é pecador mediante a
graça que se revelou por meio da libertação que Cristo concedeu no sacrifício
da cruz. Sem essa libertação feita na cruz, nem a consciência de pecado o homem
teria. Portanto, o Espírito Santo recorda ao homem seus pecados, não para o
desespero, mas para que por meios deles, se construa um caminho à santidade.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BENTO XVI. Disponível em: <http://noticias.cancaonova.com/catequese-de-bento-xvi-sobre-sao-tomas-de-aquino-parte-2/>. Acesso em: 05 out. 2014.
BÍBLIA: A Bíblia de Jerusalém. 9. ed. São Paulo:
Paulinas, 2000.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
Petrópolis: Vozes; São Paulo: Loyola, 1993.
MELO, Nélio Vieira de. A ética da alteridade em Emmanuel Levinas.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, Coleção filosofia.