Santo Antônio Maria Zaccaria, na 1ª Carta,
dirige-se ao Frei Batista de Crema, frei dominicano, seu orientador espiritual,
fundamental no seu itinerário espiritual, ao longo do qual muito o ajudou para
crescer com mentalidade aberta às necessidades eclesiais do séc. XVI. Acompanhado
por alguém experimentado no caminho ascético (“Deus costuma agir em um homem
por meio de outro” 20420), o nosso Santo vinha descobrindo a vontade de Deus.
Isto nos leva a deduzir que Antônio Maria, por sua vez, tinha o dom do
discernimento porque sempre quis ser iluminado por um instrumento espiritual, e
que soube, vigilante, escutar e discernir a ação do Espírito Santo. Como mestre
no discernimento, pode nos oferecer a riqueza espiritual de que precisamos para
viver o seguimento de Cristo.
Antônio Maria, tendo procurado entender a
linguagem da comunicação divina e, nisto, tendo-se exercitado, compreendeu, por
experiência própria, que Deus se comunica com os homens. Como, então, saber
distinguir a voz de Deus segundo a maneira da qual SAMZ foi capaz? A capacidade
de saber distinguir entre a voz que procede do Pai e a voz que surge do nosso
ego depende do espírito de discernimento. Na espiritualidade zaccariana,
verifica-se que o avanço na percepção da presença de Deus está ligado ao
desenvolvimento do dom o Espírito que acabamos de mencionar. A sua vivência
promove a experiência dinâmica que vai além da simples doutrina, formulação
ideológica ou código moral. Para captar, para nos apercebermos da presença
dinamizadora de Deus, pronto em promover em nós a sua vida, precisamos
desenvolver os sentidos e o coração do homem espiritual (cf. 1Cor 2,6-15).
Desde o início da carta, podemos constatar
que SAMZ estava convencido de que Deus sempre o abençoava porque, mesmo tendo
falta de sensibilidade (10101), havia nele o desejo profundo de descobrir e
fazer a vontade de Deus, com a qual estava em plena conformidade (10102). Dessa
forma, nos ensina como ter uma meta e como definir objetivos a serem alcançados
para promover o Reino, uma vez que a pessoa com bons propósitos sabe como
conduzir a sua vida.
Não é coisa fácil saber discernir. O
discernimento, contudo, no campo da cultura, por exemplo, é condição para nos
contextualizar. O discernimento exige, como de fato acontecia para Antônio
Maria, que coloquemos diante de Jesus o nosso sentir e o nosso bom desejo.
Dessa forma, nada escondemos, enquanto somos movidos a agir com normalidade e
naturalidade. É o que lemos na carta: “Meus negócios caminham devagar e a minha
negligência atrasa tudo ainda mais; mesmo assim, vou em frente” (10106). E
continua dizendo: “Querido pai, não se esqueça de mim e seja meu intercessor junto
a Deus, para que Ele me livre das minhas limitações, da minha moleza e do
orgulho” (10109). A situação do Santo nos revela que todo cristão deve passar
por crises e provações. Que venha a tormenta! Contudo, que sempre seja mantida
uma atitude prudente e sensata diante das tensões e ambiguidades da vida,
enquanto é vivenciada a tríade fundamental: fé, esperança e caridade.
São
Paulo, referência na doutrina e exemplo de vida para os barnabitas, também,
sugere o discernimento dos espíritos (diakrisis
pneumaton, 1Cor 12,20), que todo fiel deve possuir. O Mal está no mundo e
Satanás está decidido levar ao engano, de forma sutil, quem deseja avançar na
vida cristã. Isto exige muita oração e contínua avaliação da própria vida para
não sofrer quedas e se tornar parte do mundo que “está sob o poder do Maligno”
(1Jo 5,19).
A espiritualidade zaccariana busca renovar o
fervor cristão, enquanto aberta ao mundo e à realidade, evitando se ater a
cultos vazios. Ela nos impele a nos adaptarmos às novas exigências da Igreja e
do mundo, mantido, todavia, o espírito nas devidas condições de genuinidade
(Const. 6), conforme o ensinamento do apóstolo Paulo: “Onde há o Espírito há
liberdade”. Isto significa que discernir
é um processo dinâmico, libertador e criativo.
Na tradição da Igreja encontramos sugestões
sábias que nos ajudam a revigorar o nosso discernimento. Entre elas temos a
seguinte: “A sabedoria dos justos consiste em nada fingir por ostentação;
declarar o sentido das palavras; amar as coisas verdadeiras tais como são;
evitar as falácias; fazer o bem gratuitamente; preferir tolerar de bom grado o
mal a fazê-lo; não procurar vingança contra a injúria; reputar lucro a afronta,
em bem da verdade. Zomba-se porém, desta simplicidade dos justos porque para os
prudentes deste mundo a virtude da pureza de coração é tida por loucura. Tudo
quanto se faz com inocência, eles reputam tolice e aquilo que a verdade aprova
nas ações, soa falso à sabedoria humana”. (São Gregório Magno, Séc. VI).
Nenhuma experiência de Deus no mundo
é casual. No entanto toda vivência de fé deve ser atentamente diagnosticada. O
processo de discernimento bem conduzido evita o fracasso. A interpretação da
presença de Deus é uma atividade preciosa porque é importante a pessoa não cair
no erro ou acreditar em falsa profecia. Por conseguinte, ela requer uma
constante revisão. O discernimento, a correta interpretação da voz de Deus é
fundamental na vida humana e na comunidade cristã. Sem discernimento não há
decisão acertada (R.W.L. Moberly, 2008)
Que Santo Antônio Maria Zaccaria, interceda
por nós para vivermos autenticamente a vida cristã e poder dizer como ele “O
livro, “A vitória sobre si mesmo”, vou ter que escrevê-lo com a vida e não só
no papel” (10110).
Escrito por:
BIBLIOGRAFIA
ü Bíblia de Jerusalém 2002
ü Bíblia
Tradução Ecuménica.
ü Constituições
dos Clérigos Regulares de São Paulo.
ü
Discernimiento
y vida cotidiana, Toni Catalá, pp. 5-6.
ü
El
discernimiento cristiano, José M. Castillo, 1984.
ü Escritos
de Santo Antônio Maria Zaccaria, pp. 6-8.
ü
Prophecy
and Discernment, R.W.L. Moberly, 2008., p. 221.