Deus e o homem: caráter
antropológico-sacramental da vida cristã.
Deus se revela ao mundo movido pelo desejo de conduzir a
humanidade à sua plenitude e guiado por um ato de amor livre de qualquer
coação. No entanto, Sua onipotência excede as capacidades cognitivas do ser
humano, por isso o Criador com o afã de realizar uma comunicação fecunda com a
humanidade, recorre aos signos sacramentais e elementos existentes na nossa
realidade, como por exemplo, a água, para ensinar que a existência humana não
encontra seu sentido último em si mesmo, mas sim n’Aquele que lhe concedeu o
dom da vida.
Existe
uma dicotomia que gira ao redor da simbologia da água: para muitas culturas a
mesma é símbolo de morte (caos), entretanto, para outras é também signo de
vida. No contexto litúrgico batismal ela é sinônimo de vida, purificação, santificação.
Porém, é de suma importância resaltar que tais atributos se dão a causa da ação
do Espírito Santo na matéria, pois os elementos existentes na criação não
possuem poder salvífico por suas próprias forças, ao contrario, sua eficácia
está solidificada na ação redentora de Deus nos mesmos. Em base ao aludido, é
possível afirmar que na ação epiclética[1] há um movimento descendente – Deus que
enche o homem com Sua graça – y ascendente - a resposta livre do homem. Nessa sinergia[2], encontro entre Deus e homem, revela-se
outra vez o caráter existencial dos sacramentos e do culto ao Criador; o ser
humano na sua totalidade, corpo, alma e espírito, é exortado a responder
existencialmente ao chamado d’Aquele que lhe deu o dom da vida. Nesse âmbito, é
pertinente ser conscientes de que o caráter existencial dos sacramentos e do
culto reside no insistente preceito de que o ser humano rende culto ao
Transcendente com sua vida. Com isso, nossos atos se tornam “dignos” de ser
considerados culto a Deus quando, modelados à maneira do Crucificado vivo,
levam-nos a buscar uma vida santa.
A invocação do Espírito Santo sobre os signos denota uma realidade
consagratoria; é certo que toda a criação é obra de Deus, mas a partir do gesto epiclético a água passa a um nível de pertencia
“especial”. A forma e a substância da matéria não mudam, pois continuam tendo
os mesmos atributos de antes: moléculas de oxigênio, hidrogênio. O que é
alterado vai mais além do que os nossos sentidos podem reter. O sacerdote pede
ao Pai Celestial que envie Seu Espírito para que a causa da ação transformadora
do mesmo, transforme a matéria em signo eficaz de salvação para a humanidade.
Tal suplica sucede por meio do movimento Trinitário: o sacerdote roga a Deus
Pai que pela graça de seu Filho envie o Espírito Santo sobre os dons.
Os frutos dos signos
carregam a finalidade de fazer que o ser humano experimente em Cristo um novo
nascimento, levando-o gradualmente a tomar consciência de sua dignidade: ser
imagem e semelhança de seu Criador. Somos imagem no sentido de que Deus se faz
presente em nós – somos imagens que representa o Imaginado e nossa capacidade de amar confirma
tal veredito. Em outras palavras, antagonicamente às culturas pagãs que afirmam
que seus deuses habitam nas imagens –estátuas- que eles construíam, o Deus de
Jesus Cristo demonstra que o ser humano, sendo Seu representante, é imagem Sua
– Ele habita no seu povo. A humanidade não é igual a Ele, não é uma deidade
omnipotente, não é em si mesma, ao contrario, é um outro diferente, semelhante
a Aquele que lhe concedeu a vida, e por meio de atos virtuosos pode sublinhar e
reafirmar tal similitude em um caminho gradual de santificação. Sua dignidade
radica no fato de que, em quanto criatura, é criada a imagem e semelhança de seu Artífice e como tal é
exortada a ser administradora da criação, ou seja, senhor da mesma (cf. Gn 1,
26). O sentido autêntico desse senhorio não está plasmado ao estilo dos
parâmetros culturais atuais – marcado pela opressão, egoísmo, destruição-, mas
sim ao estilo de Deus: encharcado de cuidado, movido por um amor misericordioso.
O contexto litúrgico
batismal está vinculado ao mistério de Cristo e, por isso, é um acontecimento,
sem sombra de dúvida, Trinitário. O mesmo Deus que liberou os israelitas da
escravidão no Egito (cf. Ex 3, 7-9), é o Pai que possibilita que Sua Palavra se
faça carne e após um processo de encarnação eficaz (cf. Jn 1, 1-5. 11), concede
a possibilidade de que Ele habitasse em meio a um povo específico, aprendesse
em um seio familiar a se expressar de acordo aos parâmetros culturais locais,
para que desde uma comunidade específica, pudesse conduzir toda a humanidade a
um processo gradual de plenitude. Esta mesma Palavra encarnada, depois de
manter e conduzir Sua mensagem ao extremo, morre na cruz culminando sua
doação-redentora universal. Ele não deixa a comunidade sozinha, pois envia o
Espírito Santo para marcar uma nova forma de presença. A novidade dessa
presença pneumatologica é marcada por um caráter sacramental,
por exemplo: Cristo agora se faz presente na Eucaristia, na comunidade
congregada, na Palavra, no Sacerdote que preside a administração dos
sacramentos. Por conseguinte, os discípulos, movidos pelo Espírito Santo, são
chamados a levar ao mundo a Cristo instruindo (ensinando) e sendo testemunhas
vivas de sua mensagem.
É de suma importância ressaltar
que o Deus cristão que entra na historia da humanidade é uno e trino; são três
pessoas distintas que possuem uma mesma natureza, são unidade no amor. Isto é,
o Pai, o Filho, o Espírito Santo são um só Deus, porém não são uma única
pessoa. O Pai sem origem gera o Filho fora do tempo e do espaço, o Filho recebe
todo seu ser e condição filial do Pai – esta relação denota uma vida íntima que
pressupõe a preexistência da Palavra (cf. Jn 1, 1-2), o Espírito Santo
procedendo da Primeira e da Segunda pessoa trinitária (“filioque” – o credo de Nicea),
é portador do amor do Pai com o Filho[3].
Por tanto, são três pessoas distintas em uma mesma natureza[4] que acompanham ao homem no seu
caminhar. As três Pessoas Trinitárias sempre atuam trinitariamente e nunca
sozinhas, cada uma das Pessoas deve receber a mesma adoração e glória. Adorar
ao Deus Uno e Trino é render culto a três pessoas diferentes, que possuem uma
única natureza e igualdade de dignidade[5].
A missão de dar
continuidade à obra da aliança selada na cruz, carrega o mandato de Jesus que
vincula anúncio e batismo (Mc 16, 15-16). Pela
pregação a comunidade alimenta seu ser com os ensinamentos de vida eterna, por
meio do batismo o neófito além de se tornar membro efetivo da comunidade, recebe a graça de ser filho de Deus. Tal
filiação se dá no sentido de que recebendo o sacramento adere a Deus
livremente. O batismo nos faz filhos de Deus na medida em que estamos dispostos
a Lhe acolher como Pai. A diferença está na
disposição pessoal do homem, pois este tem a possibilidade de aceitar ou
recusar esta graça, no entanto, Deus sempre está disposto a concedê-la a quem a
deseje. Nesse sentido há uma diferença entre receber e acolher a graça. Pelo batismo somos inseridos
no mistério Pascual de Cristo, morremos com Ele, somos sepultados com Ele e
ressuscitados com Ele (cf. SC 6).
[1] Entende-se por epíclesis a
invocação do Espírito Santo sobre os signos que serão consagrados: a água no
caso do Batismo, o pão e o vinho no contexto Eucarístico, o óleo do crisma para
a Crismação e o óleo dos enfermos no âmbito da Unção dos Enfermos. O
seja, o ministro qualificado suplica ao Pai celestial que envie seu Espírito
aos elementos a fim de que estes sejam instrumentos de sua graça por intermédio
da Igreja.
[3] BREUNING W, Trinidad en:
(BEINERT, Wolfgang; Diccionario de teología dogmática, Herder,
Barcelona, 1990, p. 723, 724).
[5] Misal Romano, 2000 p.1048.
Escrito por:
Referencia:
C* CONCILIO
VATICANO II, Sacrosanctum
Concilium, San Pablo,
Bogotá 2006.
B* BIBLIA
DE JERUSALÉN. Nueva edición revisada y aumentada. Desclée de
Brower, 1998.
* BEINERT, Wolfgang, Diccionario de teología dogmática, Herder, Barcelona 1990.
* Misal Romano, Chile, 2000.