As crises que se apresentam no
horizonte da sociedade brasileira configuram-se em enormes desafios, um peso
que incomoda. No entanto, é oportuno considerar a crise momento para se
substituir dinâmicas e qualificar processos. É uma fase desafiadora e arriscada
e os resultados podem ser benéficos ou prejudiciais, determinados pelos acertos
ou equívocos nas decisões. As crises econômica, hídrica, moral, existencial e
outras tantas que se apresentam recaem sobre o conjunto da sociedade e permeiam
toda sua estrutura. Uma situação cheia de perigos, mas também com sementes
fecundas de renovação.
Essa fase crítica gera desorientação,
desconfiança e até desespero. Fragiliza as instituições e exige mais das
instâncias governamentais no exercício da insubstituível tarefa de garantir o
bem comum e o equilíbrio político. Mas, também, aciona o instinto de
sobrevivência e a vontade de encontrar saídas. E mesmo quando se sabe que a
solução de uma crise suscita outros problemas, que pode projetar novos quadros
desafiadores, é imperativa a busca de soluções, conduta profundamente vinculada
ao tecido da cultura de uma sociedade em crise. E a qualidade desse tecido é
que permitirá uma reação compatível com os desafios postos. Nesse horizonte, a
crise só pode ser enfrentada na medida que se entra num processo profundo de
transformação. Ela se instaura exatamente quando funcionamentos se tornam
obsoletos e há falta de respostas novas; porque cresce a lista de necessidades
e se configura uma fragilização de processos variados em razão dos
procedimentos comprometidos, como é o caso endêmico da corrupção.
Faz-se urgente priorizar dentre as
respostas à crise, a aposta em uma profunda e radical mudança cultural. Sabemos
que não é simples. Processos dessa natureza são demorados. Mesmo assim, é
preciso investir em fórmulas eficazes na superação dos
desafios. A resposta pode estar em novas soluções e em uma cultura mais
solidificada pronta para enfrentar as novas crises, mas, também, aquelas que
são permanentes. Como exemplo, é válido considerar a crise hídrica na sua
exigência de providências técnicas e logísticas, como também a atitude simples
e determinante de cada consumidor. Dentre as indicações práticas no
enfrentamento dessa situação, aparecem necessidades como não se tomar banho
demorado ou economizar água quando se escova os dentes. Tudo
isso parece banal e muito doméstico para constar na pauta pública. Mas aqui é
que se toca mais profundamente o tecido cultural de uma sociedade que ainda
precisa aprender a discernir o limite entre economizar e esbanjar. Essa
referência que até parece comum revela o quanto gestos, atitudes e escolhas que
constituem a base do tecido cultural e o cotidiano da sociedade têm
consistência ou operam em estado de emergência, de alarme ,
no seu papel de civilidade e autêntico sentido de cidadania. Em questão,
portanto, está o comprometimento a compreensão de que é preciso investir,
sobretudo, numa perspectiva de radicais mudanças culturais. Caso contrário, o conjunto
da sociedade se constitui em condição de parasita, esperando que apenas
instâncias governamentais e empresariais solucionem as crises. Às lideranças,
cabe agir com a consciência do serviço, do dever de visar ao bem comum.
O enfrentamento da crise é frágil e
não consegue incidir na realidade se não imprime a velocidade esperada aos
processos. É alto o preço a se pagar pelos prejuízos causados pela morosidade e
escolhas pouco inteligentes ou que desconsideram as razões humanísticas e
humanitárias. E não menos graves são os danos provocados pela mesquinhez de
indivíduos, grupos ou classes que viram as costas aos clamores da realidade e
se recusam a gestos de desprendimento ou sacrifícios pelo bem comum. Esperam a
superação da crise como resposta a interesses de confortos particulares e não
como atendimento de demandas cidadãs.
Bem adverte o Papa Francisco na sua
Exortação Apostólica, A Alegria do Evangelho, sublinhando o prejuízo que traz
essa cultura em que cada um pretende ser portador de uma verdade subjetiva
própria, que dificulta a indispensável inserção de cada cidadão em um projeto
comum que vá além dos benefícios e desejos pessoais. A grande crise, portanto,
é cultural e seu enfrentamento só pode se dar com grandes mudanças culturais.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Fonte: cnbb.org.br
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)