Jesus Cristo é o nosso ponto de partida para esta
reflexão. Cristo, face visível da Trindade (cf. Cl 1,15), será sempre a referência
e o ponto de partida para a vida e o seguimento de todo batizado e, portanto,
também para a Vida Religiosa. O batismo é a nossa herança comum como cristãos,
sem exceção, é a porta de entrada para todos os outros sacramentos para seguir
Cristo.
Ora, parece tão óbvio que Cristo seja o ponto de partida
para a vida de todos os batizados! No entanto, aqui cabe uma pergunta: qual
Cristo se toma como modelo de seguimento? O fato é que existe uma
multiplicidade de leituras acerca daquilo que foram os gestos, as palavras e a
vida de Jesus, sendo que algumas leituras podem ser excludentes e contraditórias.
Neste ponto, a pergunta crucial de Jesus a Pedro é sempre
pertinente: “quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27). O Cristo é um só,
mesmo que se tenha criado muitas imagens sobre ele principalmente na VRC (Vida
Religiosa Consagrada). Porém, revela também a própria diversidade de carismas
dos diferentes Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica,
tudo sinaliza essa pluralidade de acentos e percepções acerca da vida de Jesus
e de sua imagem. Para uma compreensão melhor, em seguida veremos como surgiu
uma imagem forte de Jesus sacerdotal dentro da hierarquia.
A Igreja Católica, e principalmente no Concílio de Trento
(1545-1563), afirmou com força contra a ideia protestante do sacerdócio
universal a especificidade do sacerdócio ministerial e o caráter hierárquico da
Igreja. E aí passa a ser valorizado mais o sacramento da Ordem Presbiteral em
relação ao sacramento do Batismo. Consequentemente, passou-se a acentuar mais a
dimensão sacerdotal de Jesus em uma perspectiva ministerial, e daí vem a
compreensão do sacerdócio (clero) como alguém “superior” dentro da Igreja.
Diante desse quadro de afirmação de Jesus sacerdote, é importante
para os religiosos irmãos lançar luzes sobre a dimensão fraterna da vida de
Jesus, revelada por meio de sua encarnação, vida, morte e ressurreição. Uma
cristologia com ênfase no sacerdócio de Jesus não pode e não deve contrapor uma
cristologia com ênfase no Jesus irmão. Isto porque o ministério de Jesus não
foi a da linha sacerdotal, não pertencia à tribo de Levi e nem à família de
Aarão. Em nenhum momento Jesus é visto pelos seus contemporâneos associado à
figura de um messias sacerdotal.
Temos que levar em consideração que os sacerdotes do
tempo de Jesus exerciam a função de absolutização e sacralização da ordem
vigente, isto é, a lei mosaica. Jesus entrou em confronto com os representantes
desse sacerdócio, pois, no Reino inaugurado e proposto por Jesus, o único
absoluto era o Pai. Os três pilares do judaísmo – lei, sábado e templo –
absolutizados pelos doutores da lei, fariseus e sacerdotes, são relativizados
por Jesus. Essa posição de Jesus em relação à absolutização do tripé
lei-sábado-templo foi a causa remota da sua condenação à morte pelo sinédrio
(cf. Mc 14,53-65; Mt 26,57-68; Lc 22,54.66; Jo 18,12-14.19-24).
Por isso, é importante recuperar de novo hoje a imagem de
Jesus irmão, pois vai nos ajudar a compreender o porquê de um confrade assumir
sua vocação de irmão dentro de uma Ordem de Clérigos. A vida religiosa é um
campo fértil onde todos os religiosos, em primeiro lugar, são chamados a serem
irmãos em Cristo, profundamente unidos a Ele (cf. Mt 23,8; Rm 8,29), irmãos
para uma maior fraternidade na Igreja.
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