O gesto do “lava-pés” é
paradigmático para todo seguidor de Jesus Cristo; constitui um dos gestos mais
expressivos da missão e da identidade para aqueles que exercem algum serviço em
sua comunidade. É revelação e ensinamento. É amor e mandamento. É gesto-vida,
gesto-horizonte, gesto-luz…
Não podemos amar o outro e
olhá-lo de cima. Não se trata também de se “humilhar”, de se colocar “abaixo”
de seus pés, mas de cuidar de seus pés para que esse outro possa se manter de
pé, para que ambos possam estar face a face e caminhar juntos. Jesus sabia que
seus discípulos tinham pés frágeis, pés de argila. Amar alguém não é querer que
ele fique deitado a seus pés, mas é querer que ele se mantenha de pé, na
plenitude de sua grandeza. Amar alguém é querê-lo com os pés “livres, leves e
soltos”. Lavar os pés é gesto de humanização e gesto humanizante. É devolver ao
outro a dignidade e capacidade de dar destino à sua vida.
A cena do lava-pés revela
profundidade e delicadeza, mútuo dom e acolhimento, comunhão e cuidado. É um
gesto profético, repleto de generosidade e de humildade.
O Evangelho de S. João
substitui a instituição da Eucaristia pelo Lava-pés. O gesto escandaloso de
Jesus revela um enfoque nem sempre percebido em seu sentido profundo. Ele
revela aos apóstolos um “novo ângulo” ou um novo modo de ver as coisas: não a
partir do lugar dos comensais, mas a partir da perspectiva de quem não está
sentado à mesa. O gesto de Jesus nos convida a deslocar-nos, ou seja, ocupar o
lugar da pessoa que não participa da mesa. Quê novidade percebemos a partir
deste lugar?
Jesus deixa transbordar os
segredos de seu coração. Ele revela o rosto de Deus, que é Amor.
Ninguém serve a Deus, a não ser do jeito de Jesus, isto é, lavando os pés, amando até o fim. Mistério da Encarnação: Deus abraçando e sendo encontrado junto aos pés dos seus filhos(as). “Levanta-se da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de partida e de chegada; mesa que se projeta no serviço, mesa que faz memória festiva, mesa do encontro…
Ninguém serve a Deus, a não ser do jeito de Jesus, isto é, lavando os pés, amando até o fim. Mistério da Encarnação: Deus abraçando e sendo encontrado junto aos pés dos seus filhos(as). “Levanta-se da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de partida e de chegada; mesa que se projeta no serviço, mesa que faz memória festiva, mesa do encontro…
O “descendimento” do
Senhor aos pés dos discípulos, fazendo-se servidor, transforma o status da
servidão (“o servo não sabe o que faz seu senhor”) em fraternidade (“não vos
chamo servos, mas amigos).
Deste modo se mostra o
verdadeiro senhorio de Jesus: a possibilidade de restabelecer a igualdade entre
as pessoas através da superabundância de um amor que se derrama, sem reservas,
para todos. Este gesto provocativo de serviço e despojamento d’Aquele que é
“Senhor” desperta em cada seguidor o desejo de considerar suas qualidades e
capacidades como veículos de doação, não de poder ou de manipulação. A partir
deste “ousado gesto” já não se justifica nenhum tipo de superioridade, mas
somente a relação pessoal de irmãos e amigos.
A reação de Pedro expressa
bem o escândalo que este gesto produz, porque Jesus revela que a autoridade –
ser Senhor – é um serviço, não uma dominação.
Pedro fica desconcertado e
em dilema. Sua imagem do Messias seguro e vencedor não combina com a
vulnerabilidade de um servo. O gesto do lava-pés é repleto da “espiritualidade
do cuidado”. O cuidado é um diálogo de presenças, não só de palavras. São seres
“vulneráveis” que dialogam. O cuidado é expressão de ternura e delicadeza. É
atenção às pessoas; é gesto de inclusão. O cuidado é gesto amoroso para com o
outro, gesto que protege e traz serenidade e paz. O amor é a expressão mais
alta do cuidado, porque tudo o que amamos cuidamos. E tudo o que cuidamos é um
sinal de que também amamos. Cuidar é envolver-se com o outro ou com a
comunidade de vida, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de
benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger; é ter espírito de
gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, e
acolhê-lo na sua diferença. O Lava-pés nos pede vestir a toalha da
simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, do serviço
desinteressado…
Lava-pés não é teatro, mas modo habitual de proceder e de estar no mundo.
Lava-pés não é teatro, mas modo habitual de proceder e de estar no mundo.
Texto bíblico: Jo. 13,1-17
Na oração: Como posso vivenciar, no cotidiano, a beleza e o
cuidado revelados no gesto do lava-pés?
Autor: Pe. Adroaldo Palaoro, sj