O segundo domingo de agosto, mês
vocacional, é dedicado aos pais vivos ou falecidos, e, por conseguinte, à família,
cuja semana é celebrada em seguida, de modo que esta reflexão quer ajudar cada
um dos nossos leitores sobre este tema tão nobre e urgente, especialmente nos
dias de hoje.
Para nós que professamos a fé
católica, falar em pai é lembrar automaticamente de Deus, o Pai por excelência,
e de São José, o homem escolhido pelo mesmo Senhor para ser, na terra, o pai
adotivo de seu Filho, Jesus Cristo, quando este, “na plenitude dos tempos” (Gl
4,4), sem deixar de ser Deus, assumiu, no seio da Virgem Maria, sem o concurso
de homem algum, mas por obra do Espírito Santo, a nossa humanidade a fim de
resgatá-la do pecado e elevá-la, novamente, à filiação divina.
Importa, porém, notar que o plano
divino não privilegia apenas o pai ou a mãe ou o filho, mas, sim, toda a
família unida a partir do casamento, vínculo natural elevado a sacramento e que
é o lugar por excelência para a formação das futuras gerações, de modo que não
podemos nos cansar de repetir, como o Papa São João Paulo II, duas grandes
afirmações: “a família é a célula mater da sociedade”, ou ainda, “o futuro da
humanidade passa pela família”.
Ao escrever às famílias no dia 2 de
fevereiro do ano passado, o Papa Francisco, como lhe é habitual, chama a
atenção, a partir do relato evangélico da Apresentação de Jesus no Templo,
sobre o encontro entre as gerações: casal, jovens, crianças e idosos. Vemos aí
a importância de uma vida familiar sadia e equilibrada. Afinal, existe sempre o
perigo de construirmos uma sociedade com as exclusões, especialmente das
crianças, incluindo, é óbvio, aquelas ainda por nascer, por meio do aborto; dos
jovens, negando-lhes a oportunidade do emprego, ou dos idosos, desejando abreviar-lhes
a vida por meio da eutanásia etc.
Contudo, entre nós cristãos deve ser
diferente. Somos chamados a ser sinais de que uma sociedade nova sempre seja
possível. A cena do Evangelho precisa e deve, sempre que possível, se repetir a
fim de se mostrar ao mundo, não por ostentação, mas por testemunho, que vale a
pena ser família no modelo sonhado por Deus. São palavras do Papa Francisco: “O
evangelista Lucas conta que Nossa Senhora e São José, de acordo com a Lei de
Moisés, levaram o Menino ao templo para oferecê-Lo ao Senhor e, nessa ocasião,
duas pessoas idosas – Simeão e Ana –, movidas pelo Espírito Santo, foram ter
com eles e reconheceram em Jesus o Messias (cf. Lc 2,22-38). Simeão tomou-O nos
braços e agradeceu a Deus, porque tinha finalmente ‘visto’ a salvação; Ana,
apesar da sua idade avançada, encheu-se de novo vigor e pôs-se a falar a todos
do Menino. É uma imagem bela: um casal de pais jovens e duas pessoas idosas
reunidos devido a Jesus. Verdadeiramente, Jesus faz com que as gerações se
encontrem e se unam! Ele é a fonte inesgotável daquele amor que vence todo o
isolamento, toda a solidão, toda a tristeza. No vosso caminho familiar,
partilhais tantos momentos belos: as refeições, o descanso, o trabalho em casa,
a diversão, a oração, as viagens e as peregrinações, as ações de
solidariedade... Todavia, se falta o amor, falta a alegria; e Jesus é quem nos
dá o amor autêntico: oferece-nos a sua Palavra, que ilumina a nossa estrada;
dá-nos o Pão da vida, que sustenta a labuta diária do nosso caminho”.
Não obstante esta belíssima passagem
do Evangelho, vivemos tempos difíceis de uma sociedade que, salvo raras
exceções, já excluiu muitos dos valores que levam à edificação da família como
núcleo formado por pai, mãe e filho, e nele se acolhe com amor a vida desde a
sua concepção até o fim natural, ou seja, por meio de uma proteção integral do
homem e da mulher, dentro daquilo que o próprio Papa Francisco chama de
“ecologia humana”, pois respeita a pessoa dentro da natureza toda em que ela
foi criada e é chamada a servir a Deus e ao próximo.
Na Catequese dada por ocasião da
Audiência Geral de 20 de maio último, o mesmo Papa reflete sobre a forma como
os pais educam ou tentam educar os seus filhos nos dias de hoje, levando em
conta, é claro, as dificuldades de nossos tempos, nos quais a correria do dia a
dia se torna febricitante e a oportunidade de falar com os filhos é cada vez
mais escassa.
Diz o Santo Padre, o Papa Francisco:
“Hoje ponderaremos acerca de uma característica essencial da família, ou seja,
a sua vocação natural para educar os filhos a fim de que cresçam na
responsabilidade por si mesmos e pelo próximo. O que lemos do apóstolo Paulo é
muito bonito: ‘Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao
Senhor. Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não desanimem’. (Cl
3,20-21). Trata-se de uma regra sábia: o filho que é educado a ouvir e a
obedecer aos pais, os quais não devem mandar de uma maneira inoportuna para não
desencorajar os filhos. Com efeito, os filhos devem crescer passo a passo, sem
desanimar. Se vós, pais, dizeis aos vossos filhos: ‘Subamos por esta escada’ e
pegais na sua mão, ajudando-os a subir passo a passo, as coisas correrão bem.
Mas se vós dizeis: ‘Sobe!’ – ‘Mas não consigo’ – ‘Vai!’, isto chama-se exasperar
os filhos, pedindo-lhes aquilo que eles não são capazes de fazer. Por isso, a
relação entre pais e filhos deve ser sábia, profundamente equilibrada. Filhos,
obedecei aos vossos pais, porque isto agrada a Deus. E vós, pais, não
exaspereis os vossos filhos, pedindo-lhes coisas que eles não conseguem fazer.
É preciso agir assim, para que os filhos cresçam na responsabilidade por si
mesmos e pelo próximo”.
Eis aqui a harmonia de um lar bem
constituído ou “fundado sobre a rocha” (cf. Mt 7,24-25). Não há nele exagero de
autoritarismo nem de desobediência, mas um sadio equilíbrio cristão capaz de
levar cada membro da família ao correto cumprimento de sua missão de acordo com
a graça divina que a ninguém falta.
Voltando, porém, ao texto de São Paulo
que fornece os elementos para a catequese do Papa, notamos que compete aos pais
a educação primeira dos filhos, seja no campo religioso, seja no campo social.
A catequese e a escola só irão complementá-las naquilo que ainda lhes falta,
salvo o fato de a escola supor a educação de base, ou de berço, como se diz,
para ministrar conhecimentos dentro de áreas específicas e, sem se esquecer o
lado humano, fazer daquele menino ou menina alguém preparado para o futuro no
campo acadêmico.
Também no aspecto religioso, é dever dos
pais ensinar os filhos a rezarem, a lerem bons livros de acordo com a faixa
etária de cada um, a participarem da Santa Missa Dominical, fazerem a Primeira
Eucaristia, a Crisma e, sobretudo, seguirem a vida de fé na comunidade, se
integrando, de acordo com as aptidões de cada um, a pastorais ou grupos que
lhes façam bem (canto, liturgia, catequese, jovens, social etc.), sem deixar de
velar, ainda, pelas amizades dos filhos, seus momentos de lazer, especialmente
no que toca a contatos via internet ou programas de TV e também leituras, mesmo
se esta última pareça muito em desuso no nosso tempo.
Esta formação paterna e materna não
tem limite de idade e vale, por meio de bons conselhos, para a vida toda dos
filhos. Sempre a experiência de quem já passou por algo pode ajudar a formar
melhor os mais novos. Daí ser muito útil que pai e mãe não deleguem a estranhos
uma tarefa que é sua, seja por força da natureza, seja por força do próprio
sacramento do matrimônio.
No entanto, alerta o Santo Padre que muitas opiniões
estranhas entraram na família ultimamente, atrapalhando-a, não raras vezes:
“Intelectuais ‘críticos’ de todos os tipos silenciaram os pais de mil maneiras
para defender as jovens gerações contra os danos — verdadeiros ou presumíveis —
da educação familiar. A família foi acusada, entre outros, de autoritarismo,
favoritismo, conformismo e repressão afetiva que gera conflitos”.
Com efeito, abriu-se uma ruptura entre
família e sociedade, entre família e escola; hoje o pacto educativo
interrompeu-se; e assim, a aliança educativa da sociedade com a família entrou
em crise, porque foi minada a confiança recíproca. Os sintomas são numerosos.
Por exemplo, na escola comprometeram-se as relações entre os pais e os
professores. Às vezes existem tensões e desconfiança mútua; e naturalmente as
consequências recaem sobre os filhos. Por outro lado, multiplicaram-se os
chamados ‘peritos’, que passaram a ocupar o papel dos pais até nos aspectos
mais íntimos da educação. Sobre a vida afetiva, a personalidade e o desenvolvimento,
sobre os direitos e os deveres, os ‘peritos’ sabem tudo: finalidades,
motivações, técnicas. E os pais só devem ouvir, aprender a adaptar-se. Privados
da sua função, tornam-se muitas vezes excessivamente apreensivos e possessivos
em relação aos seus filhos, a ponto de nunca os corrigir: ‘Tu não podes
corrigir o teu filho’! Tendem a confiá-los cada vez mais aos ‘peritos’, até nos
aspectos mais delicados e pessoais da sua vida, pondo-se de parte sozinhos; e
assim, hoje, os pais correm o risco de se auto excluir da vida dos próprios
filhos.
É certo que ninguém defende agressões
verbais ou físicas contra crianças, adolescentes ou jovens nos estabelecimentos
de ensino, mas a correção tem de existir, a fim de que todos saiamos melhores e
mais bem preparados para a vida. Sem correção repetimos os mesmos erros e nos
estagnamos sem progresso algum. E mais: aprendemos a ser ou a formar uma
geração vazia de valores, de apreço pelo que é certo ou errado, pois há normas
naturais válidas a todos os seres humanos de todos os tempos e lugares. Cabe
aos pais e educadores nunca deixarem de lado o seu papel que é, sem dúvida,
insubstituível.
Por fim, é preciso que nessa ajuda dos
pais aos filhos, eles não interfiram em coisas que lhes fere a dignidade humana
e cristã, ao querer, por exemplo, escolher o estado de vida que seus filhos
levarão, a profissão, a(o) esposa(o) etc. (cf. Catecismo da Igreja Católica n.
2230). Os filhos, porém, têm o dever moral de cuidar dos pais idosos ou doentes
e nunca abandoná-los (Idem, n. 2218).
Neste segundo domingo de agosto
rezemos pelos nossos pais! Recomendo, vivamente, a todos os meus
arquidiocesanos que marquem missas em sufrágio das almas dos pais falecidos. E,
da mesma maneira, que rezemos pelos pais que estão na nossa companhia. Rezar nos
traz a proteção divina. Como é bom tomar a bênção do pai! Mas, como é melhor
ainda, depois de ser abençoado pelo nosso pai, rezar para que ele continue
sempre abençoando seus filhos.
Com o Dia dos Pais iniciamos na Igreja
do Brasil a Semana Nacional da Família, que tem como tema: "o amor é a
nossa missão: a família plenamente viva". É muito importante que cada
paróquia aproveite os movimentos e grupos familiares que, juntos com a pastoral
familiar atuem de maneira incisiva na sociedade, testemunhando e aprofundando a
importância da família segundo o Plano de Deus.
A todas as famílias, e, sobretudo aos
pais neste domingo, envio uma bênção especial, pois eles são, por primeiro, os
transmissores da fé católica!
Cardeal Orani João
Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Fonte:
cnbb.org.br