Aos 23 de maio deste ano, em
celebração presidida pelo Cardeal Angelo Amato, Prefeito da Congregação para as
Causas dos Santos, assistimos à beatificação de Oscar Romero, em São Salvador,
na América Central. Naquela alegria que contagiou todos os latino-americanos
pela graça do reconhecimento das virtudes heroicas de um grande Pastor, pensei
muito nos vários mártires que, na esteira do testemunho do Arcebispo de São
Salvador, foram e estão sendo martirizados e que o seu sangue tem irrigado os
canteiros de santidade não só no sofrido continente latino-americano, mas em
todo o mundo.
Dom Oscar Arnulfo Romero y Galdamez
foi uma testemunha da verdade do Evangelho. A sua morte trágica, quando o mesmo
tombou no Altar da Eucaristia, nos demonstra que ele foi uma testemunha
qualificada do Evangelho, amigo dos pequenos, dos fracos, dos pobres, dos
prisioneiros e um autêntico pastor que defendeu a liberdade, promoveu a justiça
e conclamou autoridades, forças vivas da sociedade e o povo santo de Deus para
construir a cultura da paz em todo o seu país.
A pregação de Dom Romero é atualíssima
e muito simples: arrependimento dos seus pecados, particularmente dos pecados
sociais e dos pecados contra a vida humana. A sua pregação, longe de ser uma
convocação política, é a vivência cotidiana da harmonia dos postulados
evangélicos, iluminados pela Doutrina Social da Igreja em comunhão com esta
através do Papa. Ele foi encorajado pelos exemplos do Papa Paulo VI e por São
João Paulo II.
Naquele momento histórico das décadas
de 80 e 90 do século passado, em que a sociedade salvadorenha era marcada pela
corrupção generalizada, pela miséria do povo, pela perseguição aos que
denunciavam o sistema vigente, pela opressão do povo mais humilde, da
concentração de riquezas, uma sociedade dilacerada pelas discórdias, cresceu
para os poderosos o “odium fidei” quando se estabeleceu a cultura da opressão e
o império nefasto da morte.
O testemunho do sacerdote jesuíta,
Padre Rutílio Grande, que viveu o Evangelho no meio dos pobres e O comunicou aos
mais humildes, fez germinar no coração do Beato Oscar Romero a fortaleza
pastoral em que o seu ministério de Arcebispo primaz era pautado pela defesa da
Igreja, e pela defesa dos pobres. Por isso, Romero foi perseguido, seus
sacerdotes vilipendiados, com um saldo de 15% do clero autóctone acuado,
maltratado, assassinado ou sofrendo algum tipo de crime moral ou contra a sua
própria vida.
Dom Oscar Romero anunciou aquilo que a
Igreja Católica sempre pregou: compreender nos dias conturbados em que vivemos o
mandamento de Deus: “Não matarás”! Ele conclamou a todos, na sua pregação
profundamente evangélica, a abandonar os ídolos do poder, da riqueza, da
violência e do acúmulo, alertando que havia uma perda paulatina do sentido de
que o corpo humano é templo do Espírito Santo.
Qual foi a arma usada por Romero? As
armas da fé e do Evangelho. Qual é o centro do testemunho deste mártir? A
chamada à conversão e à reconciliação pela fraternidade na Igreja e na
sociedade com a educação para a vivência plena do Evangelho, iluminado pela
Doutrina Social da Igreja e pela coragem de denunciar os crimes que sangram a
sociedade e estabelece o terror em detrimento com a paz.
No exercício de seu ministério
episcopal, o Arcebispo denunciou os que queriam perseguir o clero, porque seus
padres e o seu Arcebispo estavam caminhando junto com os que sofriam,
defendendo os pobres e os últimos, denunciando os abusos da violência
generalizada e pregando o Evangelho do amor de Jesus, na construção da
fraternidade e na vivência da justiça para que a paz se estabelecesse. Dom
Oscar nos ensinou a usar a “objeção de consciência”, nos legou a defesa dos
últimos, dos preferidos de Jesus, vivendo a caridade. Afinal, foi a caridade a
sua teologia, porque ele pregou que o mundo precisa construir a paz e promover
a concórdia, com as suas sábias palavras: “Coragem, é o senhor que comanda”!
Eu sempre costumo dizer: força e
coragem. Pela força que vem da Santíssima Trindade e pela coragem testemunhada
em honra da fé católica por Dom Romero, a Igreja reconheceu que este Arcebispo
foi um defensor da fé: dos fiéis e do seu clero. Dom Romero nos ensina a todos
a apaziguar os conflitos nas Terras da Santa Cruz. O legado do Beato Oscar
Romero nos compromete com os últimos, nos postos à margem pela sociedade, nos
menos favorecidos.
Que São Bento e São Bernardo, que nos
ensinaram, como o Beato Oscar Romero, a ver o Cristo e O servir,
preferencialmente nos pobres, nos ajudem a trilhar a santidade. Uma santidade
que passa pela misericórdia, lembrando sempre o que nos pede o Papa: “in
Christo, Misericordiae Vultus”.
Cardeal Orani João
Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)