A Copa do Mundo começou e
a sorte está lançada. É hora de um jogo que envolve a sociedade inteira e, por
isto mesmo, lhe dá a oportunidade de tratar de maneira nova, adequada, a
realidade sociopolítica e cultural. Uma ocasião que deve ultrapassar a natural
euforia própria e inevitável do futebol, tornando-se força popular para
empurrar o país na direção de reformas urgentes. Durante e após a Copa, é
preciso cultivar uma nova consciência social e suscitar um desejo mais apurado
de participação. As manifestações de junho do ano passado, durante a Copa das
Confederações, inauguraram esse momento novo, em que um megaevento esportivo
não se limitou ao aspecto futebolístico e aos espetáculos, mas também envolveu
suas incidentes dimensões políticas, culturais e sociais.
Está oferecida à
sociedade brasileira a oportunidade de exercitar, durante um mês, sua
indispensável capacidade de avançar na vivência da cidadania, sem privar-se da
alegria, da beleza, da arte e da força própria de um esporte, fugindo das
alienações facilmente encobertas por entusiasmos superficiais. Um avanço
urgente quando se considera os incontáveis descompassos da sociedade
brasileira, que contracenam com conquistas e progressos insuficientes para nos
definirmos como nação civilizada.
A parábola do joio e do
trigo, contada por Jesus na educação de seus discípulos e narrada pelo
evangelista Mateus, deve ser lembrada para que a Copa do Mundo no Brasil se
torne, efetivamente, um impulso novo, de ordem política e social. O Mundial
evidencia ainda mais as fragilidades da sociedade brasileira e a consequente
exigência de respostas adequadas. Esse evento está retratando um Brasil onde
crescem juntos o joio e o trigo. Há uma lamentável semeadura de coisas ruins
quando se considera a enorme lista de inadequações e contratempos de nossa
realidade sociopolítica. A sociedade está emoldurada pelos fracassos de
improvisações, de promessas não cumpridas, de gastos exorbitantes, de
favorecimentos negociais que prejudicam o povo, particularmente os mais pobres.
O trecho bíblico conta
que o dono da colheita rejeitou a proposta dos seus experientes colaboradores
de logo arrancar o joio, para que apenas o trigo crescesse. Parece um
contrassenso, se for considerado que o joio impede o crescimento saudável do
trigo. Mas, na parábola, alerta o dono: “Pode acontecer que, ao retirar o joio,
arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita”. Uma
simples aplicação da parábola ao contexto da Copa do Mundo, emoldurado pelos
acontecimentos políticos e sociais destas últimas décadas, na oportunidade do
ano eleitoral, mostra que é hora de colheita e, consequentemente, de esforço
desmedido para erradicação do joio. Uma ação forte que precisa do entusiasmo
popular.
Essa força do povo se
manifestará em cada estádio, com aplausos, vibração, silêncios de protesto,
testemunhos de civilidade. Também pelas ruas e em muitos lugares, paróquias e
outros ambientes, com gestos concretos de cidadãos, como a adesão efetiva ao
abaixo-assinado que possibilitará a tramitação do Projeto de Lei de Iniciativa
Popular pela Reforma Política. Demanda que é urgente, mas depara-se com a
inércia do Congresso Nacional. Registrar o nome e o título de eleitor no
abaixo-assinado é um meio de trabalharmos para a erradicação do joio que se
manifesta nos discursos políticos, nas organizações que nadam em cifras
bilionárias, nos abismos que separam ricos e pobres. O contexto atual da
sociedade brasileira é oportuno para um salto em busca do saneamento das
instituições e a construção de um novo país. É hora de qualificar, ainda mais,
o “discurso das ruas”, para que a política não seja um balcão de negócios, com
inescrupulosas barganhas que tomam bens da coletividade como se fossem
particulares ou de segmentos privilegiados. Que a mais significativa vitória
nesta Copa seja o fortalecimento de nossa capacidade para mudanças, com a
sabedoria para separar o joio do trigo.
Fonte: cnbb.org.br