Por: Dom
Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.
A expressão é de um conhecido
poema de Carlos Drummond de Andrade, mas a mesma pergunta pode ser feita ao
José de Nazaré ou a tantos "Josés", presentes dentro de nós e em
torno a nós. Depois do Natal e das festas que correm, o que fazer da vida e
como aproveitar as muitas lições do ano que termina? Se o cenário do Natal é
carregado de ensinamentos, pedimos hoje licença às outras figuras nele
presentes, para contemplar, de modo especial, o homem a quem foi confiada a
guarda da Sagrada Família, inspirados por palavras de fogo e simplicidade
pronunciadas pelo Papa Francisco, quando começou seu ministério de Sucessor de
Pedro:
"Como vive São José a sua
vocação de guardião de Maria, de Jesus, da Igreja? Numa constante atenção a
Deus, aberto aos seus sinais, disponível mais ao projeto dele que ao seu. Deus
não deseja uma casa construída pelo homem, mas quer a fidelidade à sua Palavra,
ao seu desígnio; e é o próprio Deus que constrói a casa, mas de pedras vivas
marcadas pelo seu Espírito. E José é "guardião", porque sabe ouvir a
Deus, deixa-se guiar pela sua vontade e, por isso mesmo, se mostra ainda mais
sensível com as pessoas que lhe estão confiadas, sabe ler com realismo os
acontecimentos, está atento àquilo que o rodeia, e toma as decisões mais
sensatas. Nele vemos como se responde à vocação de Deus: com disponibilidade e
prontidão; mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo.
Guardemos Cristo na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!
Entretanto a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas
tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos:
é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de
Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a
criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar
carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos
idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do
nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se
reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo,
os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais. É viver com sinceridade as
amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem.
Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade
que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus" (Homilia do
Papa Francisco - Praça de São Pedro - Terça-feira, 19 de março de 2013,
Solenidade de São José).
E agora? O que fazer do ano que
está para começar? O primeiro passo é reconhecer que o tempo e as capacidades
foram dadas de presente. Deus não precisa fazer previsões, mas oferece um
momento depois do outro, com calma, até para permitir-nos curtir cada dia sua
riqueza e possibilidades para a nossa felicidade. E sabemos que se o Senhor não
construir a casa, em vão trabalham os que a edificam (Cf. Sl 126, 1). Para
isso, o ano há de ser preenchido com escuta e fidelidade à Palavra de Deus e
discernimento dos sinais que ele envia, sabedoria para colher as lições de cada
acontecimento. Cada fato alegre ou triste é carregado de sentido e de apelos de
Deus.
O José que está dentro de cada um
de nós há de escolher, para ser feliz, a missão de guardião ou guardiã. Faz bem
e realiza a existência de uma pessoa quando esta assume responsabilidades,
olhando ao redor, para descobrir o bem a ser feito. O guardião toma iniciativa
para praticar o bem, começa em si mesmo a mudança do mundo e não deixa qualquer
pessoa ou situação sem a marca de sua presença. A sujeira da rua, o trânsito,
as plantas e, mais ainda, as pessoas, são de nossa responsabilidade. Todas as
oportunidades sejam aproveitadas para fazer o bem e construir um mundo melhor.
São José guardou a Sagrada
Família. Uma bela proposta para o ano novo, olhando para seus exemplos e
contando com sua intercessão, é trabalhar por valores que alguns consideram
tradicionais no sentido negativo. Recordo-me de uma belíssima canção do Padre
Zezinho: "Agora falam do desquite e do divórcio, o amor virou consórcio,
compromisso de ninguém. E há tantos filhos que bem mais do que um palácio
gostariam de um abraço e do carinho entre seus pais. Se os pais se amassem, o
divórcio não viria, chamam a isso de utopia, eu a isso chamo paz". Volto
ao Papa Francisco: "É cuidar uns dos outros na família: os esposos
guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o
passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais". Faço
um apelo a valores tradicionais, no sentido bem positivo e provocante. Trata-se
de uma campanha pela família e pelo matrimônio, justamente no ano em que
acontecerá um Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a Família e a Nova
Evangelização. Redescobrir na família os valores da fidelidade, da fecundidade
e da intimidade, tudo fecundado por uma vida de oração e comunhão com a Igreja.
Nossa vida é tecida por
relacionamentos com as outras pessoas. Quanta gente nova entrou com tudo em
nosso coração no ano que termina! Com São José aprendamos a "viver com
sinceridade as amizades, que são um guardar-se mutuamente na intimidade, no
respeito e no bem". No ano que vai começar, cultivar o trato de pessoa por
pessoa, aprofundar as amizades verdadeiras, alegrar-se com elas. Mais dos que
as listas existentes em nossos aparelhos, que constituem comunidades virtuais,
trazer estes nomes para a realidade concreta, visitar, ajudar, ouvir,
manifestar ternura e misericórdia. Se cada pessoa for ao encontro, pelo menos
uma vez no ano, de cada um de seus contatos de lista, muito teremos feito para
um mundo mais fraterno e justo. Haverá mais gente feliz!
Como bom programa do tempo novo
que é dado por Deus, "cada qual veja bem como está construindo. De fato,
ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que já está colocado: Jesus
Cristo. Se então alguém edificar sobre esse alicerce com ouro, prata, pedras
preciosas ou com madeira, feno, palha, a obra de cada um acabará sendo
conhecida: o Dia a manifestará, pois ele se revela pelo fogo, e o fogo mostrará
a qualidade da obra de cada um. Aquele cuja construção resistir ganhará o
prêmio; aquele cuja obra for destruída perderá o prêmio – mas ele mesmo será
salvo, como que através do fogo (1 Cor 3, 10-13).
Fonte: cnbb.org.br