O Papa Francisco presidiu na manhã
desta quinta-feira na Basílica de São Pedro sua primeira Missa Crismal pediu aos sacerdotes presentes,
cerca de 1600 deles, que nesta Eucaristia renovam suas promessas sacerdotais, que renovem o espírito de
santidade com o qual foram ungidos no dia de sua ordenação e compartilhem a
“unção” que receberam com todos os que estão sob seus cuidados, especialmente
“àqueles que não têm nada de nada”.
Homilia:
Amados irmãos e irmãs,
Homilia:
Amados irmãos e irmãs,
Com alegria, celebro pela primeira
vez a Missa Crismal como Bispo de Roma. Saúdo com afeto a todos vós,
especialmente aos amados sacerdotes que hoje recordam, como eu, o dia da
Ordenação.
As Leituras e o Salmo falam-nos
dos “Ungidos”: o Servo de Javé referido por Isaías, o rei Davi e Jesus nosso
Senhor. Nos três, aparece um dado comum: a unção recebida destina-se ao povo
fiel de Deus, de quem são servidores; a sua unção “é para” os pobres, os
presos, os oprimidos… Encontramos uma imagem muito bela de que o santo crisma
“é para” no Salmo 133: “É como óleo perfumado derramado sobre a cabeça, a
escorrer pela barba, a barba de Aarão, a escorrer até à orla das suas vestes”
(v. 2). Este óleo derramado, que escorre pela barba de Aarão até à orla das
suas vestes, é imagem da unção sacerdotal, que, por intermédio do Ungido, chega
até aos confins do universo representado nas vestes.
As vestes sagradas do Sumo
Sacerdote são ricas de simbolismos; um deles é o dos nomes dos filhos de Israel
gravados nas pedras de ónix que adornavam as ombreiras do efod, do qual provém
a nossa casula atual: seis sobre a pedra do ombro direito e seis na do ombro
esquerdo (cf. Ex 28, 6-14). Também no peitoral estavam gravados os nomes das
doze tribos de Israel (cf. Ex 28, 21). Isto significa que o sacerdote celebra
levando sobre os ombros o povo que lhe está confiado e tendo os seus nomes
gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula humilde pode fazer-nos
bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto do nosso povo fiel,
dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos neste tempo.
Depois da beleza de tudo o que é
litúrgico – que não se reduz ao adorno e bom gosto dos paramentos, mas é
presença da glória do nosso Deus que resplandece no seu povo vivo e consolado
–, fixemos agora o olhar na ação. O óleo precioso, que unge a cabeça de Aarão,
não se limita a perfumá-lo a ele, mas espalha-se e atinge “as periferias”. O
Senhor dirá claramente que a sua unção é para os pobres, os presos, os doentes
e quantos estão tristes e abandonados. A unção, amados irmãos, não é para nos
perfumar a nós mesmos, e menos ainda para que a conservemos num frasco, pois o
óleo tornar-se-ia rançoso… e o coração amargo.
O bom sacerdote reconhece-se pelo
modo como é ungido o seu povo; temos aqui uma prova clara. Nota-se quando o
nosso povo é ungido com óleo da alegria; por exemplo, quando sai da Missa com o
rosto de quem recebeu uma boa notícia. O nosso povo gosta do Evangelho quando é
pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia,
quando escorre como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina
as situações extremas, “as periferias” onde o povo fiel está mais exposto à
invasão daqueles que querem saquear a sua fé.
As pessoas agradecem-nos porque
sentem que rezamos a partir das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e
alegrias, as suas angústias e esperanças. E, quando sentem que, através de nós,
lhes chega o perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que
elas querem que chegue ao Senhor: “Reze por mim, padre, porque tenho este
problema”, “abençoe-me, padre”, “reze para mim”… Estas confidências são o sinal
de que a unção chegou à orla do manto, porque é transformada em súplica –
súplica do Povo de Deus. Quando estamos nesta relação com Deus e com o seu Povo
e a graça passa através de nós, então somos sacerdotes, mediadores entre Deus e
os homens.
O que pretendo sublinhar é que
devemos reavivar sempre a graça, para intuirmos, em cada pedido – por vezes
inoportuno, puramente material ou mesmo banal (mas só aparentemente!) –, o
desejo que tem o nosso povo de ser ungido com o óleo perfumado, porque sabe que
nós o possuímos. Intuir e sentir, como o Senhor sentiu a angústia permeada de
esperança da hemorroíssa quando ela Lhe tocou a fímbria do manto. Este instante
de Jesus, no meio das pessoas que O rodeavam por todos os lados, encarna toda a
beleza de Aarão revestido sacerdotalmente e com o óleo que escorre pelas suas
vestes. É uma beleza escondida, que brilha apenas para aqueles olhos cheios de
fé da mulher atormentada com as perdas de sangue. Os próprios discípulos –
futuros sacerdotes – não conseguem ver, não compreendem: na “periferia
existencial”, veem apenas a superficialidade duma multidão que aperta Jesus de
todos os lados quase O sufocando (cf. Lc 8, 42). Ao contrário, o Senhor sente a
força da unção divina que chega às bordas do seu manto.
É preciso chegar a experimentar
assim a nossa unção, com o seu poder e a sua eficácia redentora: nas
“periferias” onde não falta sofrimento, há sangue derramado, há cegueira que
quer ver, há prisioneiros de tantos patrões maus. Não é, concretamente, nas
auto-experiências ou nas reiteradas introspecções que encontramos o Senhor: os
cursos de autoajuda na vida podem ser úteis, mas viver a nossa vida sacerdotal
passando de um curso ao outro, de método em método leva a tornar-se pelagianos,
faz-nos minimizar o poder da graça, que se ativa e cresce na medida em que, com
fé, saímos para nos dar a nós mesmos oferecendo o Evangelho aos outros, para dar
a pouca unção que temos àqueles que não têm nada de nada.
O sacerdote, que sai pouco de si
mesmo, que unge pouco – não digo “nada”, porque, graças a Deus, o povo nos
rouba a unção –, perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de ativar a
parte mais profunda do seu coração presbiteral. Quem não sai de si mesmo, em
vez de ser mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A
diferença é bem conhecida de todos: o intermediário e o gestor “já receberam a
sua recompensa”. É que, não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não
recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva
precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres
tristes, e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou
então de novidades, em vez de serem pastores com o “cheiro das ovelhas” – isto
vo-lo peço: sede pastores com o “cheiro das ovelhas”, que se sinta este –,
serem pastores no meio do seu rebanho e pescadores de homens. É verdade que a
chamada crise de identidade sacerdotal nos ameaça a todos e vem juntar-se a uma
crise de civilização; mas, se soubermos quebrar a sua onda, poderemos fazer-nos
ao largo no nome do Senhor e lançar as redes. É um bem que a própria realidade
nos faça ir para onde, aquilo que somos por graça, apareça claramente como pura
graça, ou seja, para este mar que é o mundo atual onde vale só a unção – não a
função – e se revelam fecundas unicamente as redes lançadas no nome d’Aquele em
quem pusemos a nossa confiança: Jesus.
Amados fiéis, permanecei unidos
aos vossos sacerdotes com o afeto e a oração, para que sejam
sempre Pastores segundo o coração de Deus.
Amados sacerdotes, Deus Pai renove
em nós o Espírito de Santidade com que fomos ungidos, o renove no nosso coração
de tal modo que a unção chegue a todos, mesmo nas “periferias” onde o nosso
povo fiel mais a aguarda e aprecia. Que o nosso povo sinta que somos discípulos
do Senhor, sinta que estamos revestidos com os seus nomes e não procuramos
outra identidade; e que ele possa receber, através das nossas palavras e obras,
este óleo da alegria que nos veio trazer Jesus, o Ungido. Amém.
Fonte: acidigital.com