Postagem em destaque

Solenidade de São Pedro e São Paulo

Nesta solenidade de São Pedro e São Paulo recordamos o testemunho que esses dois grandes apóstolos deram de Cristo mediante o martírio. ...

Inicio » » VII Domingo do Tempo Comum

VII Domingo do Tempo Comum

19 de fevereiro de 2012

           Queridos irmãos e irmãs,

Saudações em Cristo!

A liturgia do 7º Domingo do Tempo Comum convida-nos, uma vez mais, a tomar consciência de que Deus tem um plano de salvação para os homens e para o mundo. Esse plano é um dom de Deus que o homem deve acolher com fé.

Com o Evangelho de hoje voltamos a Cafarnaum, a cidade situada na margem ocidental do Lago de Tiberíades. Jesus continua a anunciar o “Reino” através das suas palavras e, sobretudo, dos seus gestos. Os “milagres” que Ele faz são sinais simbólico e real da presença compassiva e amorosa de Deus no meio dos homens e anunciam o mundo novo do “Reino”.

Entramos, no entanto, numa seção (cf. Mc 2,1-3,6) onde os gestos de Jesus já não provocam apenas assombro e admiração, mas também repulsa e obstinação. Jesus começa a questionar seriamente as pessoas e a provocar reações desencontradas. De uma forma geral, o Povo acolhe Jesus e vê no anuncio  uma resposta para a sua sede de vida e de liberdade; mas os fariseus e os doutores da Lei (que a partir daqui aparecerão, cada vez mais em cena), instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos, recusam Jesus e buscam todos os pretextos para o atacar. Começa a desenhar-se o conflito decisivo que vai levar Jesus à cruz.

A história que o Evangelho deste domingo nos narra é uma história estranha e, do ponto de vista lógico, cheia de incongruências. Porque é que os acompanhantes do paralítico tiveram que descobrir o teto e não puderam esperar que Jesus saísse de casa? As pessoas que estavam na casa ficaram impávidas vendo o teto ser levantado no meio de uma chuva de terra e ramos secos de árvore e não fizeram nada?

A nossa história não é, naturalmente, uma reportagem jornalística de acontecimentos. São Marcos parte, eventualmente, do fato histórico da cura de um paralítico, mas a sua finalidade é, antes de mais, oferecer-nos uma lição de catequese. Os pormenores estranhos não são históricos, mas fazem parte da representação cénica montada por São Marcos; são apenas elementos simbólicos  introduz no relato para tornar mais rica e expressiva a sua lição de catequese sobre Jesus e sobre a missão de Jesus no meio dos homens.

Toda a cena se passa numa “casa”. Que casa é essa? É uma casa onde Jesus está a “pregando a Palavra” e é uma casa onde se juntou (São Marcos diz “congregou”) um tão grande número de pessoas, “que já não cabiam sequer em frente da porta” (vs. 2). É também uma casa onde estão sentados/instalados alguns especialistas da Lei (escribas – vs. 6). A “casa” onde Jesus prega, onde se congrega a comunidade judaica e onde há escribas instalados, poderia ser uma figura da sinagoga, entendida como assembleia do Povo de Deus. O fato de se referir que a “casa” em questão estava situada na cidade de Cafarnaum (o centro a partir do qual irradia a atividade de Jesus na Galileia) poderia indicar que São  Marcos está  falando da comunidade judaica da Galileia, em cujas sinagogas Jesus acabou de passar (cf. Mc 1,39), anunciando a Boa Nova do Reino. Em qualquer caso, a “casa” representa essa comunidade judaica a quem Jesus dirige a pregação do “Reino”.

Depois de definido o cenário, entram em palco os atores. A “casa” chega “um paralítico transportado por quatro homens” (vs. 3). Desde que entram em cena, o paralítico e os que o transportam apresentam-se como uma equipa inseparável, como peças de uma única máquina. O paralítico, personagem anónimo e sem voz, é o protótipo da invalidez, do homem que não pode mover-se por si mesmo e que não tem liberdade de ação. Os que transportam o paralítico, também anónimos e sem fala, têm como único traço característico serem “quatro”. Este dado, à primeira vista supérfluo, é importante: o “quatro” é um número carregado de simbolismo, que representa os quatro pontos cardeais e, em consequência, o mundo e a humanidade inteira. Os cinco (os quatro transportadores, por um lado, e o paralítico, por outro) representam duas facetas de uma mesma personagem – a humanidade inteira. É uma humanidade passiva e marcada por um mal que lhe rouba a vida e que lhe impede a liberdade (paralítico); e é uma humanidade ativa, que não se conforma com o mal que a impede de ser livre e que busca ansiosamente a salvação (os quatro que transportam o paralítico).

Desde logo fica claro que o episódio pretende apresentar Jesus como “o salvador”; mas a presença do “paralítico” e dos “quatro” homens que o transportam sugere que a salvação que Jesus oferece não se destina apenas à comunidade judaica, mas à humanidade inteira.

Essa humanidade que sofre e que quer libertar-se da escravidão em que vive, procura ir ao encontro de Jesus para receber dele a salvação .Mas “a casa” (isto é, a comunidade judaica) cobre Jesus e oculta-o ao resto da humanidade. Será preciso abrir um buraco no teto da casa, forçando o obstáculo que o judaísmo representava (vs. 4). Nos esforços quase patéticos dos homens que transportam o paralítico, no sentido de colocá-lo frente a frente com Jesus, São  Marcos representa a ânsia com que o mundo espera a libertação que Cristo lhe veio oferecer.

A decisão e a tenacidade com que esta humanidade sofredora supera os obstáculos recebem o nome de “fé” (“ao ver a fé daquela gente” – vs. 5). A fé, no Novo Testamento, é aderir a Jesus, segui-lo, acolher o Reino. Em todo o processo, essa humanidade ansiosa pela libertação manifesta uma vontade indomável de se aproximar de Jesus, de acolher a salvação que ele tinha para oferecer, de entrar na dinâmica do “Reino”. Manifesta, portanto, a sua fé.
Essa vontade real de acolher a vida nova de Jesus indica que a humanidade escravizada está disposta a essa mudança de vida que é condição para o reinado de Deus. Jesus está plenamente consciente disso. Por isso diz: “Filho, os teus pecados estão perdoados” (vs. 5). As palavras de Jesus significam que Deus aceita essa vontade de mudança, que o passado pecador deixa de pesar sobre o homem e que este pode começar uma vida nova. Pela adesão a Jesus, a humanidade “pecadora”, “impura”, fica totalmente purificada e reconciliada com Deus.

Segundo São Marcos, os escribas presentes começaram a dizer no seu interior: “porque fala ele deste modo? Está  blasfemando. Não é só Deus que pode perdoar os pecados?” (vs. 6-7). A objeção dos escribas representa a doutrina oficial de Israel. Segundo os dogmas de Israel, somente Deus podia perdoar os pecados. Jesus está  querendo ocupar o lugar de Deus? Está a assumindo-se como um rival de Deus?

Para resolver o conflito, Jesus não se socorre de argumentos teóricos, mas convida os que estão à sua volta a medir o alcance da sua autoridade. Na verdade, o perdão dos pecados é algo que só Deus pode dar. E curar um paralítico? Não será um sinal da presença de Deus em Jesus? Ao dizer ao paralítico “levanta-te, toma a tua cama e vai para casa” (vs. 11), Jesus está  fazendo algo totalmente novo, que será uma prova decisiva da sua autoridade divina. Demonstra, dessa forma, que ele tem a autoridade de Deus para dar vida em plenitude ao homem que jaz prisioneiro da morte e da escravidão.
Que acontece a esse homem que recebeu de Jesus vida? O instrumento que representava a sua escravidão (a cama) já não o sujeita mais. Purificado e reconciliado com Deus, é agora um homem novo, livre, que rejeitou a escravidão do egoísmo e do pecado e que aderiu a Jesus e ao Reino. Da ação de Jesus resultou, para o homem, vida verdadeira e definitiva, vida total.
A reação da multidão é glorificar a Deus. Perceberam finalmente que, através de Jesus, atua o próprio Deus. Jesus não é um rival que está  usurpando o lugar de Deus, mas aquele que revela aos homens o amor de Deus.

Em conclusão: Deus, pelo seu amor universal, oferece o seu Reino a todos os homens por igual, sem distinção, por meio de Jesus. Pela adesão a Jesus, fica apagado o passado pecador do homem e este recebe uma nova vida. O relato mostra a resistência e a incredulidade inicial dos ouvintes judeus diante desta mensagem; mas a vida nova que aparece naquele que se supunha indigno e excluído do Reino demonstra que o perdão/salvação que Jesus oferece tem o selo de Deus. Em Jesus, Deus manifestou a sua bondade e o seu amor pelo homem pobre e desvalido e inaugurou já o processo de plena libertação para a humanidade inteira.

O texto reflete, sem dúvida, a experiência que se tinha na época de São Marcos da vitalidade das novas comunidades formadas pelos antes excluídos de Israel (os doentes, os pecadores) e pelos pagãos que deram a sua adesão a Jesus.

A constatação de que Deus tem um plano de salvação destinado a toda a humanidade. Essa humanidade que percorre diariamente estradas de sofrimento e de angústia, que penosamente caminha no meio de fracassos e de contradições, que é prisioneira do medo, da violência, da opressão, que vê tantas vezes frustrados os seus direitos a uma vida digna e feliz, que dia a dia experimenta na pele as consequências do egoísmo e do pecado, precisa conhecer esta Boa Nova: Deus caminha, desde sempre, ao lado dos homens, preocupa-se em proporcionar a cada pessoa a possibilidade de ser livre e feliz, quer que todos integrem a comunidade dos filhos  de Deus. Para isso, ele está sempre disposto, de forma totalmente gratuita e incondicional, a oferecer o perdão que purifica e que liberta.

Com o VII Domingo  terminamos o primeiro ciclo do  Tempo Comum para iniciarmos um tempo de preparação a Pascoa do Senhor, a quaresma
Por: André Carlos Morais Carvalho
Anterior Proxima Página inicial