O
CRISTO CRUCIFICADO (I)
Certamente, a Paixão de Cristo trata-se de
uma passio activa[1],
porque não foi um padecimento involuntário tal como conferimos em Mc 8,31: “É
necessário que o Filho de Homem padeça muito e seja rejeitado”; em suma, a Paixão
tem também um caráter exterior, na qual se situa a rejeição de Jesus como blasfemo
e revolucionário político: “Diante disto, o sumo sacerdote rasgou suas vestes e
esbravejou: ‘Por que ainda necessitamos de outras testemunhas? Ouvistes a
blasfêmia! Que vos parece?’ E todos o julgaram merecedor da pena de morte…” (Mc
14,63-64).
Por outro lado, Paulo vai dizer com
severidade que Cristo sofreu do Getsemaní até o Gólgota o julgamento de Deus
(cf. 2 Cor 5,21; 3,13), no entanto, o sofrimento de Jesus já começou antes da
detenção pelos romanos (cf. Mt 26,36-49).
Sem dúvida, o sofrimento de Jesus compreende
o abandono de Deus, que ele chama de “Abba”. Vemos em Mc 15,43: “Então, por
volta das três horas da tarde, Jesus bradou em alta voz: “Elohi, Elohi! Lemá sabachtháni?”-
que traduzido, quer dizer: “Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonaste?”; por
isso, com a súplica “não atendida” de Jesus começa a sua verdadeira Paixão. A
experiência do silêncio de Deus é similar ao sentimento dos místicos na sua
“noite obscura da alma”.
Somente na Cruz por primeira e única vez,
Jesus suplica a Deus: “Eloheni”, em aramaico Elohi[2], assim,
no relacionamento entre o Pai e Filho deu-se a experiência de uma morte, a
morte de “Deus”, Deus abandonado por Deus, do mesmo modo pode ser interpretado
que se quebra a relação comunitária; no abandono, o Filho perde a filiação e o
Pai a paternidade, o amor se converte em padecimento de morte, por outro lado,
note-se que no momento difícil da Cruz e na menção do Sl 22, verdadeiramente
Jesus pensou em nós e não em si mesmo, com efeito, pelo seu abandono venceu
nosso abandono. Em definitiva, Jesus se fez semelhante a nós, e até a morte
partilhou com a condição humana.
Decerto, em Rm 1,18s Paulo utiliza a palavra
“entregue” paradidonai[3],
para enfatizar o fato do abandono do Pai. Claro que à luz da ressurreição muda
a perspectiva, porque Deus ressuscitou-o ao mesmo que o entregou, com toda
certeza, Deus assim é Pai dos abandonados. O Filho condenado se torna irmão e
salvador dos condenados. Essa reminiscência é vivida na eucaristia na
celebração da Ceia, isso temos em 1Cor 11,26: “Porque
todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte
do Senhor, até que venha”.
Em conclusão, o Pai também sofre a morte do
Filho, e por tudo isto, o que acontece no Calvário atinge a Trindade. Evidentemente,
o Filho não é apenas objeto, mas também sujeito, de fato, Jesus era consciente
da sua missão na via crucis, sem
sombra de dúvidas houve uma comunhão de vontades.
Na Cruz o Pai e o Filho estão unidos, “Quem
vê o Filho, vê o Pai”, por conseguinte, o Espírito Santo faz unidade entre o
Pai e o Filho por amor, do qual nada nos pode separar, em suma, isso aconteceu
na Cruz.
Convido para meditar o texto de Romanos 8,31-39.
O
CRISTO CRUCIFICADO (II)
Quando
Deus se fez homem em Jesus não somente entra na finitude do homem, mas também
pela morte entra na situação do abandono de Deus, de fato, o apóstolo Paulo bem
expressa em Fl 2,6-8: “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser
igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se
semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo,
sendo obediente até à morte, e morte de cruz”. Sem dúvida, Jesus sofreu uma
morte violenta como criminoso na cruz, a morte do completo abandono de Deus. No
entanto, não se pode falar da morte de Deus no conceito cristão, por isso é
melhor falar da morte em Deus.
O
sofrimento na paixão de Jesus foi o abandono do Pai, por essa razão vemos que
Deus não se torna uma religião, uma simples lei, um ideal que fica só nas
nuvens, de tal maneira Deus se compromete com a humanidade, não fica alheio: “E
o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória
do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Isto significa que,
Deus se humilhou e se encarnou e toma sobre si a morte eterna dos pecadores e
esquecidos, para que todos possam experimentar seu amor, reconciliação e
comunhão com ele.
No entanto, o cristão deve padecer e carregar
a Cruz com esforço constante ou acompanhar a Jesus como Maria, quem estava até
o último momento: “Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele
amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois
disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu
em sua casa” (Jo 19,26-27).
O problema do homem moderno não é mais mito,
deuses, demônio, etc., mas sim a bomba, as guerras, a destruição da natureza; de
fato existe um descontrole e desequilíbrio global, a humanidade está em xeque,
porque o homem pensa somente em si mesmo.
Por conseguinte, diante dos problemas do
mundo, o cristão não pode ficar com os braços cruzados, é preciso ter uma
abertura histórica: olhar, sentir, falar, aliviar ao modo de Jesus.
Entende-se Jesus, como modelo de amor pela
humanidade, que viveu a kénosis e morreu
na cruz em resgate por nós, certamente, a kénosis
do Filho até a morte na cruz é máxima revelação da Trindade, é um acontecimento
divino.
Tanto católicos como evangélicos
teologicamente concordam sobre o caráter soteriológico do mistério pascal, mas,
surgem várias questões em nossa época: Que significou Deus para Jesus? Jesus
morreu por Deus ou por nós? Em primeiro lugar, o protestantismo ligou mais a
morte de Jesus com o pecado da humanidade e não desde a relação entre
Pai-Filho, então, na verdade, a morte de Jesus pertence à auto manifestação de Cristo,
ou seja, tem uma dimensão trinitária. Enfim, a divindade de Jesus se revela em seu
rebaixamento e humanidade.
Decerto, a morte na Cruz de Jesus constitui
uma parte importante para a fé cristã, porém, todo o AT vai olhar este acontecimento
da morte como uma mudança na história, o nascimento da Igreja. A cruz, também
significou um acontecimento escatológico, por isso, afirmamos que o mesmo
Crucificado é quem ressuscita.
Em conclusão, em nossa época é difícil afirmar
que Deus sinta sofrimento, porque seus atributos de Todo-poderoso, Eteno,
Imutável, representam etiquetas que nos deixam longe de uma intimidade com Ele.
Porém, o novo contexto da Encarnação surge como prova e essência da compaixão
divina. Jesus se fez carne, humano e terreno, que não se consume diante da
grandeza da realidade divina.
Por:
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
MOLTMANN, Jurgen. El
Dios crucificado. Madrid:
Sígueme, 1977, p. 275-399.
MOLTAMANN,
Jürgen. Trindade e Reino de Deus. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 88-96.
BIBLIA,
Edição católica.
[1]
Trad.: paixão ativa.
[2]
Mateus 27,46 “Por volta da
hora nona, clamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni? O que
quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.
[3]
παραδίδωµι. (fut.
παραδώσω; fut. pas. παραδοθήσοµαι; 1 aor. παρέδωκα; 1 aor. pas. παρεδόθην).
Entregar, traicionar, confiar, encargar, dar.
Entregar, traicionar, confiar, encargar, dar.