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A tentação de Jesus no deserto, segundo São Marcos (Mc 1,12-13)

21 de fevereiro de 2015

“Cristo por nós foi tentado, sofreu e na cruz morreu:
Vinde todos, adoremos!”
Estimados irmãos e irmãs, saudações no Cristo Crucificado!
Começamos mais um tempo novo na caminhada da Igreja dentro do Ano Litúrgico: a Quaresma. Pelo que já vivemos no Advento, Natal e nas primeiras semanas do Tempo Comum somos agora exortados a intensificarmos no conhecimento profundo de Jesus Cristo para celebrarmos dignamente a Semana Santa e o Tempo Pascal.
Nesse I Domingo da Quaresmo somos interpelados a aprofundar a narração do episódio da tentação de Jesus, segundo São Marcos.
 A tentação de Jesus no deserto ocupa, em São Marcos, dois brevíssimos versículos: Mc 1,12-13. Ela está relacionada à apresentação inicial que São Marcos quer fazer de Jesus antes de vê-lo agir no seu ministério messiânico. Essa apresentação inicial abrange exatamente os primeiros treze versículos, constituindo-se, portanto, a narrativa da tentação, a última das pinceladas que visam compor a figura do protagonista de todo o Evangelho. A primeira pincelada quer apresentar Jesus na condição de autor da última e verdadeira criação, porque ele é o Filho de Deus (Mc 1,1). A segunda pincelada (Mc 1,2-7) quer sublinhar a condição divina de Jesus. Pela citação de Ml 3,1, Jesus é visto como o Senhor do Templo e pela citação de Is 40,3, Jesus é apresentado como a Glória de Javé, Aquele que vem com braço forte, que é o Criador de tudo e Senhor dos povos. De fato, enquanto Marcos identifica João Batista com a voz de Javé que grita no deserto e que o anuncia tudo aquilo que se diz de Javé, em Is 40, deve ser necessariamente atribuído a Jesus. A condição divina de Jesus é também definida por Marcos, pelo testemunho do próprio João Batista que proclama a sua adoração a Jesus dizendo que Ele é aquele “a quem não sou digno de abaixado em adoração (gr: kupsas), desatar a correia das sandálias” (Mc 1,7) e declara: “Eu vos tenho batizado com água. Ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,8). A terceira pincelada (Mc 1, 8-11) quer sublinhar a condição messiânica de Jesus, sem esquecer a sua condição divina. Jesus é ‘Aquele que vem’ de Nazaré da Galiléia e que ao associar-se aos pecadores, “para que se cumpra toda a justiça” (Mt 3,15), se torna o Filho (Os 11,1), isto é o Israel novo que chega à sua plena realização mediante ele. Para isso é ungido, consagrado o Cabeça que vai unir os dois povos (Os 2,2). O Espírito desce, lembrando a realidade que o Ungido criará pela figura da pomba (Sl 68,14; 74,19; Os 7,11; Ct 5,2). Mas o Espírito não só desce como permanece, segundo o próprio testemunho de João Batista (Jo 1,32). A condição messiânica de Jesus fica assim caracterizada por dois aspectos eminentemente divinos da sua pessoa: é ‘Aquele que é, que era e que vem’ (Ap 1,8) e Aquele que tem o Espírito sem medida (Jo 3,34). Em seguida São Marcos define a natureza da missão de Jesus caracterizando-a pela Voz que veio dos céus: Jesus de Nazaré, em virtude da sua consagração é destinado ao sacrifício, como Isaac, para que nele comprazendo-se, o Pai restaure no Filho, pela potência do Espírito, toda a criação.
Mc 1,12-13 quer resumir toda a obra messiânica que o Filho, ungido pelo Espírito, realizará. Pelos dados que São  Marcos já expôs acerca de Jesus, esse é, antes de mais nada, a própria Glória de Javé, o ‘Sou’ que enquanto se manifesta em Jesus de Nazaré, é o Filho. Um ser de condição humana e, segundo essa condição, inferior ao Pai, mas que nada perde da sua condição divina porque “constituído herdeiro de todas as coisas, e pelo qual (o Pai) fez os séculos. É Ele o resplendor da sua glória e a expressão do seu Ser; sustenta o universo com o poder de sua palavra”(Hb 1,2s). Na condição de Filho, vivida segundo a natureza humana assumida, Jesus é a personificação do próprio Israel que Deus constituiu seu filho ao libertá-lo do Egito e ao estabelecer com ele uma aliança. Ao ser impelido pelo Espírito, Jesus é visto repetindo à história de Israel no deserto, da forma que é narrada no Êxodo, no livro dos Números e continuamente comentada pelo Deuteronômio. Enquanto a história de Israel é o paradigma da história do homem, Jesus é visto por São Marcos, também, como o novo Adão. Vencendo as tentações, às quais Adão sucumbiu, como também Israel, Jesus resgata o homem, em geral, e o próprio Israel, em particular. É evidente a alusão ao povo de Israel seja pelo termo deserto como pelo termo quarenta dias. Israel esteve quarenta anos no deserto sofrendo muitas provações. Nessas provações, em lugar de manter a sua confiança em Deus e viver assim a fidelidade à Aliança, ele foi murmurando e se rebelando contra o seu Criador e Pai. São Marcos não apresenta, no seu relato, os termos das tentações, como fazem Mateus e Lucas, porque de fato ele, em Mc 1,12-13, está simplesmente terminando de apresentar o protagonista do seu Evangelho, reservando-se de desenvolver a temática aqui apresentada ao longo do mesmo. Todavia é possível inferir que Jesus saiu vitorioso sobre as tentações pelo fato que o quadro termina com a frase: “e os anjos o serviam” (Mc 1,13). É o que aconteceu a Daniel na cova dos leões. Daniel, fiel ao seu Deus ao ponto de desprezar a vida, superada pela fidelidade a provação, recebe a visita do anjo de Javé. É o que acontece com Cristo. Trata-se, portanto de uma forma literária bíblica para expressar a complacência de Deus diante do homem que o serve com fidelidade. Querendo considerar o mesmo quadro relacionando Jesus a Adão, podemos entender porque Deus se compraz com Jesus ao lembrar que Deus, para mostrar todo o seu descontentamento com o homem que não venceu a tentação da serpente, colocou na entrada do Éden um querubim com a espada rutilante de fogo para que Adão não pudesse mais voltar a colher do fruto da árvore da vida. Os anjos que, em si, são a forma pela qual Deus se manifesta, estão, portanto a expressar a complacência de Deus em relação a Jesus vitorioso sobre as tentações do Maligno. A peculiaridade das feras entre as quais Cristo vive enquanto é tentado no deserto, poderia assumir a característica de uma condição paradisíaca que Cristo restabelece com a sua vitória sobre Satanás. Todavia, para manter uma linearidade de pensamento mais rígida, é melhor ver nas feras o mundo hostil ao “povo dos santos do Altíssimo” (Dn 7,27). Jesus é o Filho do homem ao qual o Ancião sentado no trono entrega todo poder porque ele é o vencedor das feras, dos reinos, segundo a profecia de Dn 7. Jesus é o Cabeça (hb.: rosh) daqueles que deram testemunho e que, enfim chegaram a reinar.
Dessa forma, São Marcos apresenta Jesus tentado no deserto, sem falar das tentações, como última pincelada de um quadro inicial que quer apresentar o protagonista do seu Evangelho, Jesus Cristo, Filho de Deus. Nela sintetiza a provação pela qual Jesus passará ao longo de todo o seu ministério messiânico nas figuras das feras entre as quais Jesus terá que viver e apresenta o seu triunfo final com o quadro dos anjos que o servem. É um desfecho final que encontra o seu paralelismo em João quando Jesus assim se expressa diante de Natanael: “Em verdade, em verdade vos digo: vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1,51).
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