Há três dimensões no ouvir em
nível de profundidade. O primeiro grau situa-se no aspecto puramente sonoro.
Basta não ser surdo que os sons nos ferem o tímpano e ouvimos. A mente pode
estar longe, vaguear pelo mundo dos desejos, dos sonhos. Quantas vezes nas
palestras, nas homilias, percebemos rostos totalmente desligados. Escutam
somente ruídos que até servem para alienar a inteligência.
À medida que escutamos não nos
prendemos à própria reação, à repercussão em nós. Buscamos a palavra que ajude
o outro. Acontece, não raro, que alguém começa atentamente a ouvir, mas alguma palavra
ou ideia toca-o. Aciona-se-lhe o inconsciente e então os mergulhos vão para
outros mares. Freud explica.
No segundo nível, escutamos
realmente a pessoa. Mas interiormente estamos com as baterias todas ligadas.
Junto às palavras que ouvimos vêm-nos ao coração sentimentos, lembranças,
conhecimentos próprios e imediatamente interferimos na conversa.
Às vezes, a dominamos tomando a
palavra. O outro começou, mas prosseguimos com o próprio discurso. Acaba a
escuta. Talvez tal procedimento aconteça mais frequentemente do que nos damos
conta. Assim, muitos escutam e falam em recíproco intercambiar-se em proporções
diferenciadas. Não faltam casos em que a escuta serviu simplesmente para deslanchar
o próprio falar.
Grau profundo de escuta implica
silêncio interior. Tranquilizamos a ânsia de falar. Pomo-nos diante do outro
com a atenção voltada, se possível, totalmente para ele. Não nos interessa
dizer nada de nós no primeiro momento. Importa o outro na sua singularidade,
originalidade. À medida que escutamos não nos prendemos à própria reação, à
repercussão em nós. Buscamos a palavra que ajude o outro a sentir-se bem na
conversa, a crescer em autoconhecimento, a encontrar clareza para si mesmo.
A força do escutar não vem da
materialidade do ato, mas das atitudes que nele transparecem.
Aqui entram em questão as
diversas situações do outro. Se veio simplesmente “jogar conversa fora”, o
ouvir tem menos importância. Diferente acontece quando recebemos confidências
de quem espera palavra de compreensão, de ajuda. Nesse nível situa-se o
ministério da escuta que se tem desenvolvido em algumas paróquias. Aqui, o
ouvir adquire forma quase sacramental, atinge grau sublime.
A força do escutar não vem da materialidade
do ato, mas das atitudes que nele transparecem. A primeira condição para tal
gesto ganhar eficácia depende de que a pessoa que ouve seja significativa. O
confidente se sente valorizado porque alguém de valor lhe atribui importância
ao pôr-se-lhe à escuta. Implica, também, aceitar o outro tal como ele é e está
naquele momento, sem juízos moralistas. Mesmo que a pessoa se rebaixe e se
culpabilize, ela espera de volta palavra que lhe aumente a autoestima.
Mais. A força do escutar aumenta
quando a pessoa percebe que quem a ouve lhe tem duplo olhar. De um lado,
captou-lhe a situação existencial com realismo, sem palavras bobas de
desculpabilização superficial, como “isso não é nada não”. Percebeu-lhe a
gravidade do acontecido, a sua fragilidade. No entanto, de outro lado, amou-a
como ela é. E daí tudo que disser terá força. Pois se baseou na escuta da
verdade e do amor.
Por: Pe.
João Batista Libanio, SJ (Professor da Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia-FAJE).